Leve e sútil
Por Vitor Velloso
O desenvolvimento das sociedades, nos levou à uma compreensão complexa do que chamamos de “família”. Todos os preconceitos foram enfiados goela abaixo, porém, felizmente, de um certo tempo pra cá, vimos discussões mais sensatas acerca das relações interpessoais. “O poder de diane” não nasce de uma militância específica sobre nenhum assunto, mas sim de uma clareza de pensamento que nega gangrenas intelectuais.
O diretor Fabien Gorgeart, consegue retratar com uma naturalidade temas considerados políticos, sua proeza é dada pela fluidez dos diálogos, em determinados momentos torna-se brevemente expositivo, mas nunca perde a mão. Diane é desengonçada, possui problemas de sociabilidade, porém, possui um carisma gigantesco. Essa química entre o espectador e a personagem, é criada pela atriz, Clotilde Hesme, que organiza de maneira orgânica pequenos maneirismos da protagonista e um charme irretocável. Seu brilho em cena é promovido através de todo um arcabouço humanista, que freia as demências sociais com gestos de carinho por seus amigos.
A trama, acompanha Diane em uma gravidez de aluguel, onde, esta, ajuda um casal de amigos, Thomas (Thomas Suire) e Jacques (Gregory Montel). Após uma mudança residencial, conhece Fabrice (Fabrizio Rongione), iniciando um romance. A questão moralista que poderia ser combatida no longa, como dito, é ignorada, a fim de dar uma óbvia naturalização a todas as temáticas abordadas. A proposta funciona, consegue cativar o público com momentos de sutileza ímpar e diálogos aconchegantes, a câmera do filme, não passeia pelos cenários, mas define um ponto, um canto, para se ajustar. A misancene, que dita o projeto, é precisa, e uma das forças da película.
As fragilidades ficam por conta da falta de originalidade na direção e no rumo que a narrativa toma. Fabien tem consciência do que está fazendo, mas não possui uma assinatura convincente, muito pelo contrário, em diversas cenas, parece apenas mais um diretor francês. Uma das belezas presentes, é enxergar as frivolidades ganhando os holofotes, como uma maniqueísmo formal. O formalismo simplório que é implementado à linguagem fílmica primordial, é funcional, à medida que existe uma comunhão do realizador com o público. E neste quesito, o público é reduzido, pois, a cadência do cinema europeu contemporâneo, não é popular, logo, a relação é facilitada, entendendo que quem vai consumir o produto, está integrado à concepção do cinema francês, logo, classe média-alta. No Brasil, claro.
É um trabalho que flerta com a ambientação mais comercial, até mesmo em todo o tom que se permite trabalhar, durante a projeção, nota-se uma busca constante pela leveza. Além disso, também se interessa por uma questão mais particular do mercado, a autoria. Como comentado acima, à uma falta de identidade por parte de Fabien, que é notória. Mas essa falta de características próprias, não ignora o antro de autor, o que no fim, significa que ele roubou de alguém, mas roubou das pessoas certas. Leia-se roubar, como um ato positivo, de usufruir da linguagem de determinado(a) artista, a fim de transformar a visão do mesmo. O diretor possui uma intenção nobre, sem dúvida, mas acaba caindo numa armadilha comum atualmente, se prender demais a um modelo formal vendável, mesmo que à um nicho específico. Logo, diversos potenciais são perdidos pelo engessamento da idealização daquela estética. Ainda que não seja medíocre a construção realizada, não é original.
Quando se encerra o filme, a primeira coisa que se vêm em mente, é como ele consegue manipular as emoções de quem assiste, de uma maneira boa, sem que soe excessivamente piegas, porém, ao mesmo tempo, é fácil perceber, facilidade de projetar os acontecimentos em uma sucessão lógicas comercial, funcional, que irá agradar a todos. Felizmente, é difícil conceber algo diferente do que se vê, é tão orgânico, que só nos resta compreender e aceitar. O casal gay, possuem uma das misancenes mais sagazes do ano, suas tiradas são sempre exatas e o humor utilizado, na medida. Já Fabrice, conclui uma jornada pessoal da protagonista, sendo uma peça fundamental na progressão da história e ainda que se encaixe bem na proposta, não torna-se o centro das atenções, nem deveria fazê-lo. Então, a experiência torna-se agradável e calorosa, nada de dramatizações desnecessárias, burocratização da narrativa ou coisa do gênero.