A Hipnose Cinematográfica do Auto-Esquecimento
Por Fabricio Duque
“Se for do Paul Thomas Anderson, eu vou ver”, disse o cineasta brasileiro Fernando Meirelles ao Vertentes do Cinema, em 2010, ao ser perguntado sobre como escolhe seus filmes. É sempre assim, um novo projeto realizado do diretor americano (de “Magnólia”, “Sangue Negro”, “Boogie Nights”, “Embriagado de Amor”) desperta ansiedade em quem acompanha sua filmografia premiada, tanto de público, quanto de critica. A característica marcante do cineasta, em questão aqui, é a forma como prepara seus atores, os entregando a máxima naturalidade da interpretação (Daniel Day-Lewis em “Sangue Negro”) e em alguns casos, a mudança de gênero (Adam Sandler em “Embriagado de Amor”). Em seu mais recente filme, “O Mestre”, não poderia ser diferente. Joaquin Phoenix (de “A Vila”, “Johnny & June”) vivencia o marinheiro Freddie Quell, e está irreconhecível, digo isto, porque não há, em instante nenhum, elemento (ou percepção) que o ligue a realidade. Ali, é um típico “ator método”, despindo-se da encenação e fazendo-se acreditar, principalmente para ele mesmo, que é o personagem e vice-versa. Sem contar muito, apenas abro um parenteses, e exemplifico citando a cena da prisão e o acesso incontrolável da raiva. Só por isso, o filme já vale cada centavo e ou tempo gastos. Logicamente, diferente de um monólogo, para que o roteiro seja crível, necessita-se de um “âncora” (o que contracenará de volta – o que fornecerá o ‘timing’ perfeito). Não poderia ser ninguém menos que o ator Phillip Seymour Hoffman (“Dúvida”, “O Talentoso Ripley”), que absorve a figura do título tema. Ele é o mestre (talvez possamos referenciar uma metáfora a sua qualidade interpretativa, mas creio que o diretor não seguiu por essa linha). Freddie, ao término da Segunda Grande Guerra, nos anos cinquenta, sofre com o trauma do que viveu, “descontando” e se defendendo com violência, agressividade, impulsos sexuais e bebedeira, a fim de continuar sua trajetória vazia e sem perspectivas. Este período histórico representou uma passividade resignada. Todos precisavam estar felizes, radiantes e não poderiam, em hipótese nenhuma, “despertar” crises existenciais, retratadas em fotos perfeitas e sorridentes. Se a tristeza e ou a dúvida os acometesse, então clínicas psiquiátricas “entrariam em ação” e “resolveriam” os problemas da mente com remédios. O protagonista confronta-se com a liberdade desejada e a limitação social. Encontra algo, que não sabe explicar, na figura carismática do líder de uma organização religiosa conhecida como A Causa (centrada na ideia de vidas passadas, cura espiritual e controle de si mesmo). O Mestre utiliza-se dele como uma experiência (hipnótica) de tentativas repetitivas a fim de podar seus instintos mais primitivos (chamado quase todo tempo de “animal”). A deficiência de entrega é dialogada quase no final. “Se você encontrar alguma maneira de não servir a nenhum mestre, então volte e conte a gente”, diz-se, meio que resumindo a trama abordada. A narrativa, inicialmente perdida e estranha (como se visualizássemos a nós mesmos, fora do nosso corpo), e ao longo do roteiro buscando a plastificação comportamental, apresenta-se, contextualmente, nostálgica e atemporal (mesmo indicando a época com roupas e elementos), principalmente pela iluminação plácida, lembrando uma fotografia desgastada com o tempo. O espectador pode “aceitar” o filme por inúmeras vertentes analíticas. Como que nossas ações estão gravadas (simbolizando a vida após a morte); que as sessões de conhecimento representam a aceitação do que se fala em voz alta; que as repetições das perguntas indicam uma “lavagem cerebral”, enfim, há possibilidades “infinitas”. E é o que o roteiro se propõe: experimentar e compartilhar essas tentativas de mudança de caráter e moralidade, esquecendo-se que é quase impossível tornar alguém outra pessoa. O lado interno e intrínseco sobressai, como a cena da motocicleta: ir rápido, procurando velocidade e novidade, dentro de uma agitação catártica, e sem a necessidade do retorno (à co-dependência, que se traduzirmos, encontraremos as relações pessoais). Concluindo, um filme que além de todo questionamento filosófico, ainda tem Amy Adams (de “Curvas da Vida”, “O Vencedor”) no elenco, vivendo a “equilibrada julgadora”. Trocando em miúdos, nós sempre teremos nossas particularidades, sejam positivas ou negativas, agressivas ou apáticas, libertárias ou com libertinagem. Tanto faz, as adormecemos para que possamos viver em paz numa sociedade em paz. Buscamos a serenidade e pagamos o preço do esquecimento de quem somos realmente. Recomendo. Com indicações ao Oscar deste ano.
5
Nota do Crítico
5
1