Para que serve o tempo?
Por Fabricio Duque
Talvez um dos maiores desafios da humanidade, ou até mesmo o principal, seja a possibilidade concreta de controlar o tempo, cujo tema é um prato cheio a filósofos, cientistas e, por quê não, ao cinema. Muitos exemplos pululam nesta arte.
Entre alguns, temos Adam Sandler em “Click”, de Frank Coraci, ganhando um controle remoto encantado; Michael J. Fox na trilogia “De Volta Para o Futuro”, iniciada por Robert Zemeckis, viajando entre passado e futuro; Wagner Moura em “O Homem do Futuro”, de Cláudio Torres, com a chance de refazer sua vida; Bill Murray em “Feitiço do Tempo”, de Harold Ramis, que vive sempre o mesmo dia; e até mesmo Kyle MacLachlan na terceira e última temporada de “Twin Peaks”, de David Lynch.
Esses e infinitos outros personificam o elemento temporal como um objeto palpável. Mas em “O Homem Que Parou o Tempo”, filme em questão aqui, dirigido por Hilnando SM, a significação do tempo é abordada pelo viés psicológico. Pela abstração do movimento. Como se o próprio protagonista conseguisse, por completo livre arbítrio, escolher estar “fora ou dentro” do tempo. De optar transcender a própria existência. De se libertar das pressões alheias, da rotina submissa e do tempo dos outros.
Assim, nós, espectadores, mergulhamos na atmosfera etérea da narrativa fabular, que nos questiona e confronta os reais porquês. Para que corremos tanto? Se filosofarmos livremente, então desenharemos em nossas páginas mentais que o tempo é subjetivo, ou como Albert Einstein, insólito e relativo. Cada coisa possui seu tempo. Cada um de nós. E, ainda que, saibamos conscientemente disso, mesmo assim, aceitamos ordens, regras, imposições, urgências e descabidas pressas do tempo de que os outros mensuraram.
“O Homem Que Parou o Tempo” é uma análise epifania sobre o universo de João (o ator Gabriel Pardal, de “Tropykaos”), um indivíduo que tenta pôr em prática um plano um tanto surreal, quase esquizofrênico: conseguir parar o tempo. Só que para isso ele terá que cometer uma espécie de “suicídio social”. Isolado em seu apartamento, em um Rio de Janeiro distópico (quase pós-apocalíptico), abandonado e ao mesmo tempo ocupado pelos únicos que não conseguiram ir embora antes da grande crise, mostra que conseguir parar o tempo se tornará uma difícil viagem solitária e que levará João até às últimas consequências.
O média-metragem, de um pouco mais de uma hora de duração, é muito mais que uma simples contemplação do tempo e ou um estudo sobre o elemento abstrato que nunca para, mas sim uma análise antropológica comportamental de um ser que acorda do transe compactuado na sociedade em que vivemos, explicitado pela referência ao escritor José Saramago em “Ensaio Sobre a Lucidez”. Sim, é um ensaio psicológico, que busca entender e adentrar nesta loucura invertida, fazendo com que o ser agora são precise se transformar em um ermitão moderno para se proteger dos ditos lúcidos. Quem está dormindo e quem está acordado?
“O Homem Que Parou o Tempo” é sobre um mundo que enlouqueceu com tantas possibilidades. Sobre a intimidade do tempo. Sobre a individualização do tempo. De pessoas que “gritam”, batem com orgulho a mão no peito e dizem que não tem tempo. Que a vida está corrida. É, João está em desvantagem. Brigar acordado contra os que não dormem, que criam fugas em superficiais festas e encontros, que cobram dos outros um tempo extra-terrestre. Nosso protagonista recebe o “dom” do sentir, de avaliar propósitos, de entender as projeções do futuro, e de desistir, até mesmo do pouco que ainda o mantém existindo. Não há mais humanos e sim máquinas ambulantes. Cúmplices zumbis à moda de “A Noite Devorou o Mundo”, de Dominique Rocher.
Ao longo do filme, o espectador viaja no próprio tempo e lucubrações que o levam a inferir o primeiro episódio “Nosedive” da terceira temporada do seriado “Black Mirror” em que nos mostra e assusta que nós só existimos porque estamos conectados todo o tempo. Não há mais espaços. Não há mais ócios criativos. Não há mais a liberdade sem culpa de se perder lendo um livro em uma tarde. O tempo corre. Tic Tac. Tic Tac. Todo segundo nós nos damos conta de que perdemos tempo. Pare! Apenas pare! É essa a mensagem desta parábola. De que o tempo quem faz é cada um a seu bel-prazer e necessidade.
Conjugando uma trilha sonora de peças originalmente compostas e executadas por Gabriel Muzak, que desenha a exata definição do tempo e de seus determinados períodos contínuos, e de Jonas Sá e a música “A Mutante”, “O Homem Que Parou o Tempo” constrói uma experiência imagética e sensorial (com inserções das imagens negativas), que apesar de seu tom mais teatralizado ao exercício conceitual de seus atores, improvisando a espontaneidade das micro-ações mundanas, ainda assim desperta e planta uma semente do auto-questionamento. Como nós estamos gastando nosso tempo? Para que correr? Qual o objetivo final? Há objetivo no final? Que gincana doida é essa que nos faz abdicar da felicidade em prol do dinheiro? Do poder? Da fama? De ser melhor que o outro? É um ciclo vicioso e sem volta. Se continuarmos assim, então só nos restará a opção do mar.