Um Churchill padronizado
Por Fabricio Duque
Muito incomoda a palavra definitiva, usada para descrever a interpretação de Gary Oldman como Winston Churchill no filme em questão aqui, “O Destino de Uma Nação”, do diretor Joe Wright (de “Orgulho e Preconceito”, “Desejo e Reparação, “O Solista”, “Anna Karenina”, “Peter Pan”, e o episódio “Nosedive” da série “Black Mirror”.
Em seu mais recente filme, baseado no romance homônimo do neozelandês Anthony McCarten (com o subtítulo “Como Churchill desistiu de um acordo de paz para entrar em guerra contra Hitler”) autor que escreveu “A Teoria de Tudo”, Joe retorna a seu gênero favorito: de época histórica.
“O Destino de Uma Nação” é uma obra desenhada para um ator brilhar, neste caso Gary Oldman (agora indicado ao Oscar após uma carreira de trinta anos), que está irreconhecível em um cirúrgico trabalho técnico de maquiagem. Mas reiterando o que foi dito no parágrafo anterior esta não é a personificação ficcional de Churchill. E sim John Lithgow no seriado “The Crown” da Netflix, que aqui reconstitui uma cena de lá (do protagonista na cama com a digitadora).
Logicamente, uma série consegue aprofundar muito mais seus personagens pela obviedade do tempo estendido. Não se consegue competir com dez episódios de uma hora cada, contabilizando dez horas, contra as duas horas corridas de um filme.
“O Destino de Uma Nação” parece uma história paralela ao filme “Dunkirk”, de Christopher Nolan. Enquanto o diretor britânico de Londres nos imerge na arquitetura ensaiada das negociações, conversas diplomáticas, bastidores com o Rei e poderosos encontros políticos (no “circo” do Parlamento), no do americano, a história é contada pela pirotecnia-sinestesia ao buscar a sensação física-visual do espectador. Um é para dentro. O outro, para fora.
O longa-metragem inicia-se com imagens histórico-reais da grande guerra e o nacionalismo exaltado da “Grã-Bretanha que não confia no líder alemão Adolf Hitler”, do Terceiro Reich. O país monarca precisa escolher seu futuro: lutar contra a ameaça nazista ou assinar um acordo de paz. Mais que um filme histórico, é político. Entre governo de coalizão, renúncia do Primeiro-Ministro Neville Chamberlain, do Partido Conservador, entre Maio de 1937 e Maio de 1940, conhecido por sua “política de apaziguamento”.
“O Destino de Uma Nação” imprime um tom modernista de vanguarda, principalmente pela poesia da fotografia construída, a atmosfera nostálgica temporal. A câmera passeia não convencional, girando e ou articulando cortes surpresas na edição narrativa. “Ontem é ontem, hoje é hoje”, diz-se.
Não podemos negar que se tornar um Winston Churchill é um desafio e tanto. Brian Cox já o encarnou em “Churchill”, de Jonathan Teplitzky. E a versão televisiva com Richard Burton em “Gathering Storm”, de Herbert Wise. Sim, ame ou odeie, o inglês homenageado é figura pública, icônica e “gigante” com seus um metro e sessenta centímetros de altura.
“O Destino de Uma Nação” assopra mais que morde ao retratar a personalidade comportamento-social de Churchill. Um homem que não tinha o menor problema em mudar. “Quem não muda de ideia, não muda nada”, diz-se.
Adjetivos não faltam. Vaidoso, idiossincrático, excêntrico, sistemático (como o cochilo no mesmo horário), com um tempo de percepção diferente dos outros, austero, agressivo, sem “discernimento”, rude, um “homem como qualquer outro’, que “piora nos modos” e um impecável articulador político, que para convencer o Parlamento, vai à rua, pega o metrô e conversa com seu povo.
Churchill precisava ser enérgico a tomar uma decisão definitiva: não aceitar o acordo, ainda que Holanda e Bruxelas já tenham sido dominadas. Um dos pontos altos do filme é seu roteiro espirituoso, que capta a essência sarcástica-debochada agridoce de seus ingleses. “Tremendo de entusiasmo. Ser Primeiro Ministro não é presente, é vingança. Qual das versões de mim serei hoje?”, alfineta-se e pega o chapéu.
O espectador assiste ao estadista caminhar com câmera lenta. Ele nunca andou de ônibus. Nunca comprou pão na padaria. “O Destino de Uma Nação” é o início de sua vida política. Aceita ser esnobado. Detestado pela família (“Um brinde a não estragar as coisas”). É um balé de detalhes de disposição, “sangue”, “suor”, “labuta” e “lágrimas a oferecer”. Churchill busca a “vitória a qualquer custo apesar do temor”. “Promover a guerra é política”, diz.
“O Destino de Uma Nação”, que levanta a questão do Hitler “maníaco” ser assim por causa da sifilis que destruiu sua mente, é sobre negociações e articulações políticas do governo, lidando com a oposição, com “salvações” heróicas e uma possível fama de traidor. É sobre escolhas. Sobre “delirar fora da realidade”. Sobre “contra-atacar”. Sobre dominar com pulso forte, de não expôr medos e a alta de planos. Sobre a pontualidade britânica posta “à prova”. É sobre bunkers e a “Lei da Neutralidade”.
O filme segue pela estrutura da teatralidade filmado, com constantes, debochados e suavizados alívios cômicos, norteando um óbvio roteiro de edição ágil e fragmentada de piadas palatáveis e fáceis à audiência. Quer agradar gregos e troianos; americanos (como o trigésimo segundo presidente Franklin Roosevelt) e franceses; alemães e ingleses. O nacionalismo vem pelos silêncios “assustadores”, hesitações “imprevisíveis”, emoções desenfreadas e esperanças ao povo (até mesmo do sinal da vitória incompreendido).
Churchill (que “falta o dom do comedimento”) argumenta que a Grã-Bretanha é uma “nação marítima”, por causa do longo Canal da Mancha. Uma “oferta de paz” era sinal de “fracasso”. O destino estava em escolher a melhor ação-plano e o melhor “nome” da operação. “Como consegue beber durante o dia?”, pergunta ao estadista, que é rebatido com a resposta: “Prática”. Ele desiste da ideia de proteger seu povo das ideias ruins, à moda de “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni. E vai ao povo falar a verdade e “deixar que seja guiado”.
“O Destino de Uma Nação” brilha quando o roteiro mitiga os excessos e gatilhos comuns, deixando Gary Oldman ser possuído por Churchill (que “é bom por ser imperfeito”). A arrogância significa imposição. Impulsividade, liderança. Resmungar faz com que os outros pensem duas vezes antes de o perturbar. Mas o final precisa ser apoteótico, potencializando o drama de um drone em uma tomada aérea. Concluindo, é um filme para inglês ver.