O Confeiteiro
As pequenezas da culinária
Por Vitor Velloso
Existem narrativas que são tomadas por uma delicadeza estonteante, filmes assim devem privar os espectadores de um enredo. Parece tolo, já que a história de “O Confeiteiro” é absolutamente simples, porém, a condução que Ofir Raul Graizer nos propõe é meticulosa e busca experienciar os mínimos detalhes, assim como apreciar uma boa comida. Os paralelos entre a gastronomia e cinema, não param por aí, há momentos onde ele apenas deixa a mise-en-scène fazer seu trabalho, a fim de conseguir um prolongamento do efeito.
E se Sarah Adler e Tim Kalkhoff protagonizam este projeto que enfrenta determinados limites da experiência humana e deve se limitar ao cinema, assim deve ser, pois, se de fato sentíssemos o que está sendo exibido, não sei quantas pessoas sobrariam na sala. A afirmação vem de uma construção dramática que o diretor realiza. Há beleza e uma coreografia de gestos lentos que realçam o universo de encantamento e contemplação (no caso da sétima arte) e degustação (à gastronomia), porém, cada espaço entre as plasticidades permitidas pelo cineasta, é repleta de uma profunda carga emocional, que pode ser lida como tristeza, melancolia, solidão, mas também há espaço à felicidade. E quando estamos fragilizados com um arcabouço histórico maior que determinado personagem e podemos compreender a atitude de outro, vemos o filme tentar suavizar nossas emoções com uma tranquilidade inigualável. Uma cena específica onde Thomas (Kalkhoff) permite que Itai (Tamir Ben Yehuda), filho de Anat (Adler), o ajude a confeccionar biscoitos, é tão acolhedora e graciosa que queremos sua extensão, porém, Ofir não permite que a contemplação seja ostensiva, possivelmente a fim de não banalizar os pequenos interlúdios, uma pena, pois, a experiência de dançar com os personagens em certas situações seria…única.
Flexionando a obra à um público popular, mas sem que perca controle de sua narrativa, o diretor consegue manter sua história palatável aos consumidores, ainda que necessite frear o andamento, para remontar sentimentos e causos deslocados, que desenvolvem seus personagens ou pequenas emoções. Pequenas digressões são necessárias a fim de romper um fluxo de drama e permitir que as sensações que dominam nossos instintos. E é onde “O Confeiteiro” brilha, nas pequenezas. A interpretação que Kalkhoff entrega, possui nuances mínimas, buscando uma rigidez, uma falsa segurança emocional, deixando entregar pequenas falhas, em gestos rápidos, um olhar, um sorriso ou o ato de passar o celular na boca. Sua estrutura física robusta e a postura mais fria são os pesos necessários para compor conflitos no futuro. Ao vermos o personagem chorar pela primeira vez, dói, e não apenas o motivo, mas ver o esforço absoluto de manter-se em pé e parecer são.
Sarah Adler o outro lado da balança, permite transparecer diversas emoções, não apenas a tristeza (luto), mas sua felicidade de comer algo que lhe agrada ou um momento de afeto, pois, vivendo em Jerusalém e sendo pressionada a seguir diversos dogmas da religião, se vê acuada em seu próprio negócio. Em uma cena específica entrega um dos prazeres básicos da comida, assim como exemplifica nossa relação com determinados hábitos. Ela diz a Thomas que seu falecido marido, toda vez que ia Berlim, trazia de volta uma caixa de biscoitos de canela, iguais aos de Thomas, mas um pouco melhores. Sendo que os biscoitos que ela acabara de comer, são os mesmos de sempre. E esta relação que temos com hábitos e gestos carinhosos são incrivelmente fortes, não à toa, muitas vezes comemos diversas comidas maravilhosas na rua, mas, se possível, queremos retornar a casa de nossa mãe, ou avó, a fim de apreciar tal coisa.
Adepto de uma certa forma de naturalismo, “O Confeiteiro” se desenvolve em torno dessas relações e minúcias, evitando a todo custo elevar o dispositivo às emoções ou à narrativa, desta maneira, os momentos onde há trilha, são escassos, para permitir o espectador observar tudo aquilo, sem nunca haver interferência. Com essa escolha, o diretor permite que o público se relacione com a obra de maneira mais subjetiva. Inflando as performances aos nossos olhos e não se permitindo ser pretensioso ou manipulador.