Normandia Nua
Desnudos e Unidos
Por Fabricio Duque
Uma das características principais no cinema francês é a humanização, por uma narrativa orgânica, espirituosa e ingenuamente cúmplice que conduz o público a um universo plural que convive socialmente com diferenças e idiossincrasias das mais extremas e excêntricas. Suas personagens são traduzidas como adoráveis rabugentos, porque representam a essência da existência real, da vida como ela é. É preciso entender esse elemento intrínseco para mergulhar na trama particular de “Normandia Nua”.
O longa-metragem dirigido pelo francês Philippe Le Guay (de “As Mulheres do Sexto Andar”, “Pedalando com Molière”), apresenta-se como uma comédia de situações, em que a ação das personagens definirá o desenvolvimento da história. “Normandia Nua” é uma crítica social embalada na metáfora da liberdade do existir enquanto espelho influenciador do outro próximo. Uma comunidade, por mais bem estruturada, tende a confrontar quereres. Fato. Algo que faz parte do ser humano.
É um filme que espera do acaso um resultado sortudo, à moda do franco-uruguaio-brasileiro “O Banheiro do Papa”, de César Charlone e Enrique Fernández. Neste, seus moradores encontram possibilidades de sobreviver em meio às dificuldades. Aqui, um tanto quanto diferente, eles almejam uma saída mágica e facilitadora aos percalços do momento. Os dois filmes se conectam pela premissa de se ter encontrado ouro.
“Normandia Nua” traz outra característica francófona: o bucolismo. A ida da cidade grande ao campo a fim de reconectar energias. O contato com a natureza que simplifica (a mudança à calmaria), principalmente pela narração (de ações e caminhos) da perspectiva da filha de um deles. O preâmbulo indica um flash da própria história a ser contada. E, em um primeiro momento, pode soar modernamente absurdo advindo de uma imaginação de um lugar naturalista. Sim, também é um crítica. Uma alfinetada aos norte-americanos (“Amamos o Obama”), estes que querem desnudar a França e à indústria agropecuária (que “apaga” os agricultores locais). Neste, o tom torna-se político, quase documental (em depoimentos dos manifestantes sobre o sistema durante décadas). De luta semelhante a de “Em Guerra”, de Stéphane Brizé; “Fábrica de Nada”, de Pedro Pinho; e “Dois Dias, Uma Noite”, de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne.
Contudo, em “Normandia Nua”, o humor atravessa o drama no discurso (que quer “algo diferente para causar impacto emocional no público”). Georges Balbuzard (o ator François Cluzet, conhecido por seu papel em “Intocáveis”) é o prefeito da pequena cidade de Mêle sur Sarthe, na Normandia, onde os agricultores vêm sofrendo cada vez mais por conta de uma crise econômica. Quando o fotógrafo “peculiar” Blake Newman (o ator Toby Jones, o Claudius Templesmith, de “Jogos Vorazes”), conhecido por deixar multidões nuas em suas obras, está passando pela região, Balbuzard enxerga nisso uma oportunidade perfeita para salvar seu povo. Só falta convencer os cidadãos a tirarem a roupa. “A arte é mais importante que a natureza”, diz-se. Blake Newman é baseado no fotógrafo das multidões nuas, o americano Spencer Tunick. Suas fotos, obras-de-arte, convenceram, por exemplo, em junho de 2003, sete mil pessoas em Barcelona, na Espanha. Aqui, o filme é discreto e diz que o máximo era quinhentas.
“Normandia Nua” também busca estrutura de filme coral, em que as histórias são desenvolvidas e cruzadas com outras. Há uma tentativa de recuperar a nostalgia pela sentimentalidade, de um tempo solidário, com a quebra de uma estranha atmosfera espontânea. Entre análises psicológicas, compostagem, cruzes do nazismo, ciúmes, vergonhas, moralismos, incômodos, passionalidades, geometrias, sensações de liberdade, reviravoltas cômicas “pastelão”, sonhos que remetem o lugar ao cerrado, todos são chacoalhados a mudar suas percepções de mundo.
Se para uns, a experiência é uma catástrofe de “humilhação indecente” e um “desfile obsceno”, para outros uma forma de zerar o passado e uma “boa causa”. Pois é, mas “Normandia Nua” aborda talvez temas demais. Assim, mais parece uma sequência de esquetes. Tudo é muito interessante demais. E também demasiadamente muito. Nós espectadores ficamos nesta colcha de retalhos das “histórias que passam de geração à geração”, que mantém o ritmo, apesar de suas colagens. Somos convidados a participar de um “terremoto”, um caos que aparece para consertar e manter ainda mais estes moradores unidos e ou libertar os que não estão felizes (sofrendo com o que chamamos de alergia da “calma”).