Na Vertical
Estranhos sem lago
Por Fabricio Duque
Assistido durante o Festival de Cannes 2016
Hoje no Festival de Cannes 2016 foi o dia de conferir o novo filme do queridinho da França, Alain Guiraudie. Se em seus filmes anteriores, o estranho “reinava” em “O Rei da Fuga”, e o drama vazio do desejo viciante mais irracional instintivo em “Um Estranho no Lago”, então em seu mais recente longa-metragem, “Na Vertical”, que integra a mostra competitiva oficial a Palma de Ouro, o diretor resolve “caminhar” pelo surrealismo manipulado, mascarado em uma pseudo elipse-liberdade de amar (reverberando a máxima que na verdade o mundo é bem bissexual) e de tentar aprofundar pela artificialidade das reações-expressões de seus personagens.
Desta vez, Alain quer tudo: mesclar narrativas, experimentações-reviravoltas e acasos-consequência, optando pela inferência de confundir o espectador com o jogo de cena, que pode ser um sonho e ou histórias vivenciadas de um roteiro que está escrevendo. Diz-se no ditado popular que uma coisa é querer, a outra, bem diferente, é conseguir. E aqui, o máximo que se consegue é o limite tênue entre a pretensão “quero ser cineasta francês blasé” e a ingenuidade preguiçosa de se perder na própria “busca pelo urso”. A narrativa aborda mãe apática que deixa o filho chorar; road-movie de uma vida comum (que “cativa” o “pequeno príncipe” para depois “abandonar ou “ser abandonado”); suicídio assistido; sexo explícito; nudez para chocar (inclusive uma cena de um parto em close); alegoria xenófoba preconceituosa contra a índole de mendigos; câmera subjetiva; enfim, é uma sucessão de recortes, que vão e volta, que incomodam e impedem que o público “embarque” nas deficiências-fragilidades-existenciais de uma simbólica ideia do processo da maturidade, de transmutar uma “criança” em “adulto” com responsabilidade.
O universo de Alain é gay e livre. Se em “Um Estranho no Lago”, as nuances-camadas construíam uma radiografia analítica da vida homossexual em um lago de “pegação”, neste filme em questão, o gratuito estica um engessamento da novidade, e “viaja” ao campo, na contemplação bucólica do anti-naturalismo, entre binóculos, ovelhas, lobos, conversas “silenciosas”. “Na Vertical” é estranho, perdido, confuso, desengonçado. Um completo exercício cenagoso e frio. A narrativa dividida em dois atos mostra que no início seu poder vira vitimismo do meio ao final (com a mensagem conto-fábula-parábola – sim, consegue unir três estruturas em um mesmo exemplar de apenas uma hora e quarenta minutos). Talvez o que o filme queira mostrar é que o que sobra de sua vida é o vazio do tédio e a falta de um recomeço, até que sua humanidade é “amansada” pela figura de ser um pai.
A fotografia constrói outras metáforas. A liberdade sempre solar (de dia). A responsabilidade de noite (perigosa, tortuosa e escura). Ou as moscas que podem denotar que aquele universo está em decomposição. Assim como a música de Pink Floyd e a co-dependência do abandono. “Só um idiota iria para Austrália”, eleva-se o humor entre gerontofilia (“sodomizar um velho para ajudá-lo a morrer na frente de um bebê”), e ou a salvação do “canibalismo” social, e ou de transformar o inimigo (o fantasma interno) em amigo. Na verdade, em “Na Vertical”, não se sabe o que viu. Definitivamente e literalmente.