Derrapadas Constantes
Por Fabricio Duque
Com o novo filme de Vicente Amorim (de “O Caminho das Nuvens”, “Corações Sujos”, “Um Homem Bom”, Irmã Dulce”), “Motorrad“, nós espectadores somos confrontados com a questão intrínseca do real propósito da arte cinematográfica: se só o entretenimento pode definir a qualidade de uma obra, visto que aqui a forma quer a sobreposição máxima ao conteúdo. É ação pela ação. Única e exclusivamente.
O filme contradiz sua própria escolha narrativa, quando busca ser sério. Quando acredita que é mais do que é. Cult, por exemplo, soando assim pretensioso na essência, como um adolescente mimado que não possui parâmetros do certo e do
errado. E sem limites, distancia-se da realidade, potencializando uma fragilidade do que aborda, por uma crença fantasiosa.
“Motorrad”, exbido na mostra fora de competição do Festival do Rio 2017, depois do Festival de Toronto, é um filme de gênero. De terror psicológico de imersivo suspense iminente. “O terror da vida real”. As próximas ações determinam suas consequências. É um jogo de vida e morte. De sobrevivência no sadismo da violência de humanos à margem de suas faculdades mentais.
A narrativa tipifica-se pelas características definidoras: sustos, ruídos, pessoas que espreitam e invasões a lugares abandonados, e ainda que com surpresas-intervenções visuais de um ou outro ângulo de câmera (ora subjetiva, ora lenta, sempre nervosa), e com uma fotografia saturada ao contraste – de seus planos panorâmicos cinemascope (para criar a atmosfera indie à moda do primeiro filme de Steven Spielberg e “Mad Max”) que eleva um sujo submundo pós-apocalíptico. Um filme de ficção científica? De fantasmas? De universos paralelos que encontram em cercas portais?
Não há diálogos iniciais, apenas silêncios e olhares cúmplices. O roubo do ferro velho, a mensagem do celular, a moto. O filme objetiva transitar pelo cult e pela ação. De fascínio pelo perigo. Não conseguindo um tampouco outro. O que se passa é uma ambiência de novela, de atuações instantâneas e preguiçosas.
É frágil, urgente, cliché, óbvio, anti-naturalista, forçado e de soluções “miojo”, como uma lágrima que sai de um olho. Há um que de rock pop, de malhação com estética cinematográfica. Não há palavrões, sexo, nudez. É produto politicamente correto. Como o irmão que precisa ser salvo. Um baseado é liberado. Ninguém é de ferro. E cabeças cortadas. O trash Tarantino foi permitido também. Americanizado. Visando Sundance. Impossível não inferir a “Turistas”, de John Stockwell e a “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick.
Um dos grandes desejos de Hugo (Guilherme Prates) é conseguir fazer parte do grupo de motocross do seu irmão mais velho. Decidido, ele rouba algumas peças para que possa montar sua motocicleta. Quando consegue o feito, ele encontra com a turma do irmão em uma cachoeira remota, onde fazem uma trilha e se deparam com um antigo muro. Hugo sugere que eles desmontem o muro e sigam a aventura, mas acabam encontrando a dona do ferro-velho de onde Hugo roubou as peças. Ela os convida para um caminho ainda mais radical, só que a diversão vira uma corrida pela sobrevivência quando eles passam a ser perseguidos por motoqueiros sádicos e sobrenaturais.
“Motorrad” desperta o distanciamento. Não compramos a ideia. Não criamos afinidades e não sentimos credibilidade. Segue escolhendo perder o próprio ritmo. E não respeita em nada a inteligência do espectador, que é nivelada por baixo. É amador, quase caseiro, ingênuo, fora do tom. É um filme de produção em massa.
Entre portais do inferno, torturas, violências, esqueletos, olhares dramáticos, o longa-metragem conduz-se por uma narrativa desengonçada, quase tosca. “Motorrad” opta por permanecer protegido na zona de conforto durante todo o tempo.