Uma Anistia Vulgar
Por Vitor Velloso
Na noite do dia 30 de abril de 1981 no Centro de Convenções do Riocentro, um ato terrorista cometido pelos militares foi mal-sucedido, levando a morte de um Sargento e deixou um capitão ferido. O novo documentário de Silvio Da-Rin busca detalhar este atentado a partir de imagens de arquivo e entrevistas, sempre tentando mostrar o contexto político da época, para dar os motivos para os acontecimentos e tentar provocar, mais a frente, uma discussão sobre anistia.
É necessário dizer que do ponto de vista histórico o Brasil se encontrava numa situação de intensa turbulência política, em 81 a ditadura militar já perdia força e atos de desespero do governo do general João Figueiredo aconteciam cada vez com mais frequência. O atentado de Estado em questão não foi o único, mas foi o mais explícito erro cometido pelos algozes. Algozes esses, que não se encontram no documentário, como material fílmico.
O diretor opta por fazer uma representação do plano do atentado através do uso de um ator que estaria recriando o momento da feitura da bomba. Como pode-se imaginar essa simulação ficcional é de uma vulgaridade estética comprometedora. A estilização da cena remete novelas da globo; toda a construção dessa situação é desnecessária. Se isso não fosse o suficiente, as respostas que o documentário consegue extrair dos seus entrevistados são pouquíssimo satisfatórias. Não há nada de novo na discussão de “Missão 115”, nem na temática, nem na linguagem, não existe um olhar novo sobre o acontecimento.
A culpa não é do objeto em questão, e sim da forma como ele é explorado. O acontecimento em si, possui facetas diversas a serem descobertas ou questionadas, mas Silvio Da-Rin faz um documentário expositivo, didático e limitador. A forma e o conteúdo no campo do documentário são absolutamente intrínsecos, mais que na ficção. Nichols entende parte do documentário, expositivo, através de um estudo, chegando a conclusão do uso de imagens de arquivo como ilustração do discurso, voice-over e entrevistas. Neste filme não há apenas uma forma expositiva, mas sim seu discurso. Não há uma proposta para discussão concreta, não há de fato um ato de pensar no documentário como algo além de informações semi-televisivas.
As imagens de arquivo que o filme utiliza, muitas vezes a mesma imagem mais de cinco vezes, são para buscar uma contextualização midiática da época, mas não passam de barrigas construídas ao longo do filme. Em certo momento o filme mostra uma notícia sobre a lei de anistia, exibida em um jornal, literalmente na coluna ao lado há uma notícia sobre a investigação da morte de Herzog. Aparentemente, nem o filme está tão interessado na própria proposta que assumiu desde o início.
A tentativa de retomada do assunto para o cenário político atual, é feita às pressas e com muitas falhas históricas. Não há uma progressividade no relato para que se possa chegar a uma conclusão satisfatória com o público. Suas pontes temáticas são construídas às pressas auxiliada por uma música que parece ter sido tirada de outros filmes, provida de tantos clichês e tantas repetições. As locações escolhidas para os entrevistados são de uma neutralidade que não combina com o discurso do filme. Além disso seu tratamento de luz, se assemelha com programas televisivos de cunho duvidoso.
Os dez minutos finais do filme são o teste final do espectador, pois tudo aquilo que não casava esteticamente, torna-se mais agudo e completamente perdido, com uma montagem que não sabe o que conta, para onde vai e quando terminar. Ainda podemos contar com um plano digno de discussões calorosas, do diretor do filme, chegando de carro no Riocentro contemporâneo fazendo uma pose semi-super heroica olhando para o local. Um show de horrores e comédia raramente vistos no cinema.
O filme torna-se brevemente oportunista ao criar um link com a atualidade, da maneira como o constrói. Eu adoraria ter gostado do filme, pois o assunto é de interesse nacional. Mas a verdade é que formalmente falando é um filme que não cumpre seu papel temática, nem responde a ligações que ele se disponibiliza a fazer. Existe uma arte em ser polêmico, infelizmente o filme perdeu a oportunidade de ser mais incisivo, eu não.