Um filme singular que demonstra que a figura de Maria está além de que qualquer religião
“Marias”, da diretora estreante em um longa-metragem, Joana Mariani (inglesa por nascimento e carioca por vivência), aborda o simbolismo do sincretismo religioso sobre a “mãe do Filho de Deus”, e suas “casas”, Aparecida do Norte, o “mar”, no piano de um cubano de “dois gêneros, José Maria”), no trabalho artístico de um peruano (que se “personifica” em estátua viva), na Nicaraguá, uma “cidade sem pai”, na existência de uma jornalista cinéfila (influenciada por “A História de Uma Freira”) e na “gestação de ideias” em Guadalupe, no México. No templo paulista-brasileiro, Maria é de raça negra (representando particularidades de cada lugar), “feminista”, e alimenta a fé incondicional, com seu “poder mariano”, de milhares de católicos-visitantes-peregrinos. Aqui, o filme busca contar as milhares de histórias, desde o questionamento da própria religião (pela artesã-restauradora da principal estátua) até a emoção catártica-emocional de seus seguidores (que “são todos Maria”). A “protagonista” homenageada faz com que as pessoas se movam em suas crenças pela “força feminina local”, já que Ela, Nossa Senhora da Aparecida, “a Virgem da Caridade do Cobre”, a “Nossa Senhora do Rosario de Talpa”, com “atitude perante a vida” e com “sinceridade”, é o caminho “intermediário” para se “chegar a Deus”, para confortar a alma “abalada” e desesperada do sofrimento de um acontecimento trágico, transformando até ateus em mais “ferrenhos” religiosos, e para “aceitar com humildade a vida que é muito sacana”. “Marias” mostra as inúmeras faces de Maria. Iemanjá (“a Rainha do mar”) é outra delas. “Uma identificação pela essências dessas mulheres mães que ouvem nossos pedidos”, diz-se. A narrativa linear conduz o espectador por universos religiosos, inserindo músicas características de cada segmento, como Maria Bethânia, por exemplo, no Candomblé, que se apresenta na raça branca. São “instantes de fé”, assim como a “felicidade”, e logicamente há momentos “informativos, criativos e não ruins” de “dúvida” dessa “crença” de imaginário e lendas populares. “Marias” transcende a especificidade. Não é um filme feito apenas aos religiosos e sim um documentário que estuda a antropologia da cultura da fé, com sua narrativa pululada de adjetivos definidores, de ângulos poéticos e de festas exemplificadas, e sem manipular com clichês impositivos característicos do tema abordado, que traduz a imagem como um “espelho”, que reflete suas “capacidades e energias” e quase um transe-catártico. Uma jornada, não preconceituosa, tampouco sensacionalista, pelo feminino das festas marianas da América latina. A diretora Joana Mariani viajou pelo Brasil, Cuba, México, Peru e Nicarágua acompanhando as festas das padroeiras destes países, todas nossas senhoras, observando as semelhanças e diferenças entre suas culturas e buscando vozes com grandes histórias para contar. O resultado é um filme singular que demonstra que a figura de Maria está além do que qualquer religião possa oferecer. Filmado desde 2009, o longa-metragem concorre ao Troféu Redentor no Festival do Rio 2015. Recomendado.