A crua realidade do Velho Logan
Por Fabricio Duque
“Logan”, exibido no Festival de Berlim 2017, na mostra fora de competição ao Urso de Ouro, poderia ser mais um exemplar da franquia “X-Men”, histórias-em-quadrinhos da Marvel Comics (criados por Stan Lee e Jack Kirby em 1963) sobre mutantes super-heróis que ganharam forma nos cinemas desde o ano 2000, e que com este representa seu terceiro filme solo “Wolverine” e décimo filme no total (se contarmos “Deadpool”).
Dezessete anos depois, os fãs aqui um mundo submundo sem lei (à moda de “A Qualquer Custo”, de David Mackenzie) “Texas” pós-apocalíptico sem esperança e fantasia. Logan (o ator Hugh Jackman que dá vida ao papel) está mais maduro, mais intolerante, atormentado, fracassado (“fique longe da minha merda”, ele diz), ultra-realista, resignado com sua condição futurista-envelhecida, mais cansado, que precisa de óculos para ler, não mais imortal e motorista de uma limusine, que cuida do Professor X (Charles Xavier, o ator Patrick Stewart), debilitado, viciado (só o medicamento pode ajudar – referência esta à “X-Men: Primeira Classe”), terminal e sem conseguir controlar seus poderes, escondido na fronteira mexicana (uma metáfora ao estado do mundo atual?).
Mas suas tentativas de se esconder do mundo vinte e cinco anos depois sem o nascimento de novos mutantes, de seu passado “canadense” e de seu legado acabam quando uma jovem mutante (que parece a protagonista de “Stranger Things”), sem modos e mimada, chega (“um assassino soldado-arma-letal sem emoção, quase um robô sem alma” – Filha de Logan ou um adulterado produto-clone?), perseguida por outros cruéis, sanguinários, sádicos, hostis mutantes. “O mundo não é mais como era”, diz-se.
A narrativa clássica, uma orgia visual, pontuada por sua imponente trilha-sonora (das músicas de Johnny Cash: “The Man Comes Around” e “Hurt” – que já virou versão ficcional nas mãos do diretor em “Johnny & June”, e pela “Way down we go”, de Kaleo) e pela fotografia plástica poética que tira o fôlego do espectador, em épico faroeste, é conduzida por um roteiro corajoso (assista ao filme e entenderá), de uma edição direta, visceral, violenta e intensa, e pelo magistral controle absoluto da direção de James Mangold (que dirigiu “Wolverine – Imortal”; “Garota Interrompida”,“Identidade”).
“Até o armageddon nenhum shalam, nenhum shalom, Então o pai chamará suas galinhas para casa, O homem sábio irá se curvar diante da coroa, E ao Seus pés jogarão suas coroas douradas, Quando o homem vier de volta (ou vier outra vez), Quem for injusto, deixe-o ser injusto, Quem for correto, deixe-o ser correto, Quem for imundo, deixe-o ser imundo, Escute as palavras escritas há muito tempo, Quando o homem vier de volta (ou vier outra vez)”, trecho da música de “The Man Comes Around”.
“Logan” é quando “Os Brutos Também Amam”, de George Stevens (explícito no próprio filme para assim indicar o caminho objetivado da trama) encontra “Midnight Special”, de Jeff Nichols. É ”Stranger Things”, série da Netflix, com a ambiência de “Narcos”, esta talvez pelo personagem (do ator Boyd Holbrook) “policial” desvirtuado em vilão. É “Blade Runner – O Caçador de Andróides”, de Ridley Scott, com “O Exterminador do Futuro”, de James Cameron e com “O Lutador”, de Darren Aronofsky.
É Clint Eastwood e seu “Os Imperdoáveis” com atmosfera de “Mad Max”, numa época que pausa seu tempo e sua existência (à moda solitária e “fora do corpo” de “O Homem de Aço”, de Zack Snyde), e que não suaviza dores, traumas e políticas sociais comportamentais incorretas. Aqui, a narrativa é humanizada, decisória, cirúrgica e mitigada de sentimentalismo (e câmeras lentas). Não há fantasias e cenas excessivas de ação. “Pessoas no mundo real, morrem”, diz-se.
O que se percebe é a transmutação “olfativa” personificada máxima da realidade. É cinema puramente de arte, que escolhe as irretocáveis fotografia e condução da direção em prol do simples entretenimento do tiro, porrada e bombas (com exceção, lógico, para “cabeças decapitadas”, “campos que tremem”, não tão sutis gritos de “Por que te escondes?”, a aventura-ação da sobrevivência e salvação dos “garotos perdidos”). Mas tudo é pode e deve ser aceitado de forma cúmplice em detrimento da construção contextual pela “batida” que lembra a do coração. Quanto de desgraça um homem (mesmo mutante) pode aguentar? Entre o surto, limite, catarse, falas em espanhol (outra metáfora?), o cansaço, pesadelos, pessoas machucadas, as cicatrizes (e a brincadeira das crianças) que o fazem reviver Wolverine, “Logan” reverbera a máxima de que em equipe (bando) há salvação e que a família recupera a emoção perdida.
“Logan”, que é uma referência à minissérie de quadrinhos “Velho Logan”, de Mark Millar, será a última vez que Hugh Jackman interpreta Wolverine. Ele mencionou que encerra o ciclo por causa de sua idade e por questões de saúde – o ator foi diagnosticado com câncer de pele. “Foi só com Logan que eu cheguei ao coração do Wolverine”, diz Hugh Jackman. Concluindo, um filme imperdível e altamente recomendado.