O patriarcado partido
Por Vitor Velloso
A busca pela compreensão da mulher no século XIX vem se tornando mais comum no cinema contemporâneo, “Colette” está em cartaz, por exemplo, essa representação vem acontecendo num fluxo que se esforça em distanciar-se de Hollywood, mas se aproxima de um tedioso jogo esquemático que constrói uma lentidão narrativa, que propõe remontar o tempo da época. Ainda que estas obras formulem intenções sinceras e válidas, os dois filmes citados utilizam gatilhos cinematográficos a fim de criar um exercício complexo e cadenciado, o que distancia o olhar dos autores de suas personagens.
Dirigido por Craig Macneill, que realizou o frágil, mas com boas ideias, “The Boy”, “Lizzie” irá contar a história de Lizzie (Chloë Sevigny) e Bridget (Kristen Stewart), ou melhor de um assassinato que aparentemente envolve as duas. Não deve se contar muito do enredo do filme, pois, a narrativa é enclausurada e possui pouquíssimas reviravoltas. Mas em resumo, Lizzie é filha de Andrew, um homem poderoso na cidade, até que um dia, ele e a esposa são assassinados brutalmente. O diretor está mais interessado na construção psicológica das mulheres, que no crime em si, utilizando-o apenas como âncora e referência a determinados acontecimentos anteriores e posteriores. Esta escolha agrega muito à obra, pois, o assassinato, apesar de brutal, é inserido de maneira precoce na trama, o que nos faz ansiar por uma construção que justifique de alguma maneira aquela violência. Motivos não faltam, Andrew é de fato, um monstro. Porém, para que tudo isso funcione, Craig, depende de algumas coisas, primeiro, que as atrizes estejam funcionando perfeitamente, segundo, que o interesse do espectador seja contínuo e terceiro, que a química entre as duas mulheres, funcione. E, infelizmente, nem tudo é tão harmônico assim.
As atrizes estão bem, sem dúvida, Chloë é uma das atrizes mais expressivas de sua geração. Porém, manter o interesse do público, é algo difícil, seu ritmo lento, a monotonia da narrativa e a pequena quantidade de reviravolta, só é compensada por cenas deslocadas que possuem um intenso impacto dramático. Mas, independente, o distanciamento das personagens, no início da projeção, deixa o espectador perdido quanto a relação entre elas. Bridget trabalha na casa, ok, ela possui uma relação minimamente agradável com Lizzie, é abusada por Andrew, mas até compreendermos a união de Lizzie e Bridget, fora do campo psicológico, leva-se tempo, muito tempo. E ao concretizar a misancene com as duas em cena, o filme se apressa em unificá-las como base dramática. Essa digressão de ritmos, afasta ainda mais as pessoas, pois, há uma adaptação de determinado tempo e uma correria em uma relação absolutamente crucial à obra.
A química entre as atrizes é algo difícil de mensurar, em um primeiro momento parece funcionar bem, porém, com a progressão, Chloë, está à frente de Kristen, o tempo inteiro, em potência dramática, presença em cena, tudo. A disparidade entre as personagens também se dá em campo psicológico, ainda que ambas sejam bem estruturadas e possuem motivações concretas a todos suas frustrações, Lizzie, é, de fato, o norte do longa, logo, compreendemos suas dores de maneira visceral, o que com Bridget se dá de maneira menos orgânica e menos agressiva. Neste ponto, duas questões devem ser levantadas, essa diferença no tratamento das duas, gera duas experiências diferentes de sentir o impacto das situações, as de Bridget são menos intensas, porém, mais desconfortáveis, pois acontecem com um ar de cordialidade que é tóxico e embrulha o estômago.
Mas onde “Lizzie” parece possuir força, não há de fato uma potência fílmica, nem dramática, mas sim uma aproximação forte, que nunca estabelece um impacto com o público. A sensação de assistir ao filme, é de estar sempre correndo atrás de algo que não se concretiza, esse meio do caminho é extremamente frustrante. Ainda mais por conhecer o trabalho do diretor e saber que sua verve em cenas de violência possui um caráter sádico, mas justificado. Aqui não é diferente, a cena do assassinato em si, é intensa, estranha e comedida. Um plano específico onde a câmera gira pelo quarto lentamente até que vemos uma pessoa nua com o machado na mão no canto do quadro, quase com vergonha de participar da misancene, é de uma digressão extremamente bem-vinda. Mas todo o ato final é… decepcionante. Pois acaba virando um jogo psicológico ditado pelo diálogo, algo que não funciona na proposta inicial.