Curta Paranagua 2024

Liga da Justiça

Auto-referência e bom cinema

Por Bruno Mendes

Liga da Justiça

A memória afetiva nos transporta à lugares incríveis e já não “habitáveis” em uma perspectiva real. É apaixonante se deparar com imagens, sons e frases que evocam uma determinada época da nossa infância ou adolescência e os super-heróis, sem dúvidas, ocupam as melhores gavetas do nosso imaginário. Ao refletir sobre os méritos do longa “Liga da Justiça” (do diretor americano Zack Snyder, de “Madrugada dos Mortos”, “Watchmen”, “O Homem de Aço“, “Batman versus Superman“), é prudente e honesto ressaltar os aspectos fílmicos que remontam em nossa mente as tais questões passionais. Por outro lado, é fundamental avaliar aspectos referentes ao enredo, construção de personagens e a escolha do diretor no desenvolvimento de sequências de ação. A paixão é linda, mas no cinema não há nada sem técnica. Felizmente, a produção entre as mais aguardadas para o final de 2017 é eficaz nestes “espaços avaliativos”.

Se para o deleite dos fãs da DC Comics e dos amantes de personagens de quadrinhos, que ganham vida em cena, há um show de auto-referências em frases de efeito e muitas piadas saudosistas (há uma sensacional envolvendo a obra ‘Cemitério Maldito’, clássico de terror escrito por Stephen King e adaptado para o cinema), o roteiro divide com precisão o espaço entre a descrição/desenvolvimento dos protagonistas e aquele referente ao confronto destes contra o malfeitor. Em tela, o bom ritmo da narrativa impede o espectador de, aos bocejos e movimentos bruscos na cadeira, escapar daquele “mundo ficcional” por tédio. Há quatro mocinhos, uma mocinha e uma história a ser contada. O filme dá conta com competência.

Na história, o Bruce Wayne, o Batman (o ator Ben Afleck), estimulado pelo espírito altruísta do Superman, convoca Diana Prince, a Mulher Maravilha (a atriz Gal Gadot), Barry Allen, o Flash (o ator Ezra Miller), Cyborg (o ator Ray Fisher) e Aquaman (o ator Jason Momoa) para unirem forças e salvar a humanidade de uma ameaça de catastróficas proporções. Ainda que idiossincráticos, reconhecem não existir escapatória: as suas habilidades meta-humanas são indispensáveis para a segurança do mundo. E Liga da Justiça torna-se irresistivelmente piadista ao apresentar essa simbiose.

Tão reconhecido pela sisudez, Bruce Wayne é aqui descrito como uma figura sarcástica e até leve. Porém, o Aquaman e o Flash (aqui em tom distinto ao apresentado na série exibida da Netflix) são os responsáveis pelos principais momentos cômicos da obra. Sem a comicidade dos demais, a Mulher Maravilha e o Cyborg somam inteligência e, é claro, inegável aptidão para os confrontos. Felizmente, o humor de grande parte do filme não o torna mais “raso” ou “superficial” e nem disfarça falhas maiores, em razão das verdadeiras qualidades, expostas aqui.

Vale acrescentar: o fetiche de Snyder pelo slow motion (recurso utilizado de modo, muitas vezes, incômodo, como no pretensioso “Sucker Punch – Mundo Surreal”) não apenas deixa de atrapalhar, mas contribui com a beleza plástica e grandiosidade das sequências de ação. E em sintonia com o uso da “câmera lenta”, o 3D funciona como importante elemento de auxílio imersivo em vários combates.

Ao contrário dos carismáticos heróis em cena, o insosso vilão é o ponto negativo da produção, ao ser elaborado de forma confusa e, apesar dos inegáveis poderes em mãos, nunca exibir personalidade medonha e ameaçadora. Poderíamos apontar a atmosfera leve e divertida do longa-metragem, como forma de relevar a mão pesada ou possível “menor compromisso” em criar um lobo do estepe sensacional? É melhor acreditar que um antagonista mais ousado e sombrio daria ainda mais brilho aos meta-humanos e, obviamente, cairia nas graças do público. Ok, “Liga da Justiça” resiste a essa pequena falha, mas perdemos a chance de amar mais um “coisa ruim” da DC Comics no cinema. Uma pena.

O saldo geral é positivo. Graças ao conjunto de acertos, “Liga da Justiça” faz o espectador rir, torcer, vibrar por resoluções e mergulhar a imaginação nas incontáveis lembranças de tempos passados ( se você tiver entre 10 e 20 anos e lendo essa crítica, saiba que abraçará a mesma sensação ao assistir a um bom filme de super-heróis no futuro). Atenção! Praticamente não é surpresa, para quem conhece bem os filmes baseados nos HQ da Marvel e da DC, a existência de algumas cenas depois dos créditos. Nessa obra não é diferente, portanto, aguarde as letrinhas subirem antes de sair do cinema, ok?

4 Nota do Crítico 5 1

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