La La Land – Cantando Estações
Um Bird Charlie Parkeriano Que Sempre Terá Paris
Por Fabricio Duque
“La La Land – Cantando Estações” é um típico filme destinado aos cinéfilos sonhadores de plantão, tudo porque nos proporciona revisitar a magia do cinema da época mais inocente da vida: os musicais (um “refúgio no mito da Cinderela moderna”). Seu diretor Damien Chazelle, com apenas trinta e um anos, já revelou, em seu filme anterior “Whiplash – Em Busca da Perfeição”, que além de novo, possui talento suficiente para manter a qualidade, e assume despretensiosamente, com utopia e passionalidade, sua paixão pela música, pelo jazz sinestésico, visceral, “rasgado”, livre e de transe de New Orleans.
Mesmo “La La Land – Cantando Estações” buscar inspiração na fantasia de “Gigi”, de Vincente Minnelli; na melancolia de “Os Guarda-Chuvas do Amor”, de Jacques Demy; na modernidade de “Canções de Amor”, de Christophe Honoré; na transmutação americana-parisiense de “Casablanca”, de Michael Curtiz; e na nostalgia “rebeldia” desejada de “Juventude Transviada”, de Nicholas Ray (que aqui é re-encenada no interior do Observatório Griffith, mesmo cenário do filme de 1955); é explicitamente perceptível que é muito mais um tributo ao jazz (já presente em “Whiplash” – e que aqui alfineta com picardia referencial o personagem professor-radical do anterior, o ator J. K. Simmons) que desenvolve a trama entre colinas “cartões-postais” de Los Angeles. O filme segue encantando, emocionando e colhendo prêmios. Depois de estrear na abertura do 73º Festival de Veneza, o musical moderninho do momento arrebatou estatuetas no Critics’ Choice Awards (incluindo Melhor Filme) e no último Globo de Ouro. Sim, não há dúvidas que “La La Land” poderá ser o grande “Titanic” do Oscar (visto que o filme de James Cameron ganhou em onze categorias).
Um gênero musical pode ser caracterizado por sua instrumentação, pelo seu texto romântico idílico, por sua função de dança (prelúdio, desenvolvimento, conflito, encerramento), por sua estrutura linear ou repetitiva (neste caso, duas versões bipartite – o mocinho e a mocinha) e por sua contextualização geográfica, cronológica e referencial.
“Mais do que qualquer outro gênero, o musical nos permite ir da realidade à fantasia, e explorar diferentes emoções entre um extremo e outro. Sempre fui cinéfilo, e a música tem ocupado uma grande parte da minha vida. Meu primeiro filme (“Guy and Madeline on a Park bench”, trabalho de conclusão de curso em Harvard) também era um musical. Tudo o que faço, mesmo as coisas não relacionadas diretamente com musica, acabam tendo um sentimento musical. Eu nunca havia visto um filme como “Os Guarda-Chuvas do Amor”, do Demy, que emulava o estilo de musical da Metro Goldwyn Mayer que eu queria tanto tomar emprestado, mas que lidava com os fatos da vida de forma mais realista. Há algo de muito belo e poético sobre este filme. Muitas coisas podem acontecer depois de um “e viveram felizes para sempre”, disse Chazelle na coletiva de imprensa em Veneza.
“La La Land – Cantando Estações”, um “Bird Charle Parker”, é para os sonhadores, aqueles que corroboram seus sonhos-planos mais “trabalhosos” de acontecer, como abrir uma casa de show de jazz puro (e não deixar o gênero “ultrapassado” morrer) e ou se tornar uma atriz famosa (reconhecida pelo próprio talento), mesmo que com dívidas e trabalho em uma cafeteria dentro de um estúdio hollywoodiano (que é em frente ao cenário de “Casablanca” – lugar que os protagonistas do filme clássico se beijaram pela primeira vez). O segredo é persistir. Não desistir nunca. Lutar contra o acaso (mais sádico) para concretizar as maestrias características e dons recebidos. O longa-metragem caminha por este viés: o de estimular a sinestesia de nossos próprios e verdadeiros quereres mais inconscientes.
Ao chegar em Los Angeles, o pianista de jazz Sebastian (Ryan Gosling, melhor ator de comédia no Globo de Ouro 2017) conhece a atriz iniciante Mia (Emma Stone, melhor atriz de comédia no Globo de Ouro 2017) e os dois se apaixonam perdidamente. Em busca de oportunidades para suas carreiras na competitiva cidade, os jovens tentam fazer o relacionamento amoroso dar certo enquanto perseguem fama e sucesso.
Nós somos conduzidos a um universo particular de uma Broadway filmada, que lembra “Os Sonhadores”; de Bernardo Bertolucci; “Rent”; a atmosfera Woody Allen de ser, que por sua vez, também pode ser acrescentado “Todos Dizem Eu Te Amo”; inevitavelmente a “Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância”, de Alejandro González Iñarritu (por sua câmera que acompanha de forma moderna que conta no elenco com Emma Stone); com passos sapateados à moda de Fred Astaire e Gene Kelly ao som de Cole Porter; recriações contemporâneas de “Cantando na Chuva”; e pôster de “The Killers”, de Robert Siodmak, com Burt Lancaster e Ava Gardner.
Aqui, a vida é em musical. Coloquial com um que de encenação, como dentro de uma taça de champanhe, ora em câmera lenta, ora agitada, mas sempre mágica (com seus focos direcionais que evidenciam personagens e instantes focais). O mundo é cantado, em “Tecnicolor” e projeta epifania existencialista de suas personagens (de “vencer pelo cansaço como uma Fênix que ressurge das cinzas”), que precisam se adequar à sobrevivência (“violentados a tocar A-Ha no teclado e deixar por um momento de ser um “músico sério” e ou o “pop” comercial de John Legend – outra crítica)) e a fome que não deixa de aparecer (“Contas não são românticas”), entre “descansos” no Cinema Rialto, “surtos” profissionais (tocar o jazz “impuro” e “nada de freejazz”) e testes para papéis secundários, eles perpassam as quatro estações, com seus climas, humores, luzes, “alpinistas sociais”, cores, novas perspectivas, consequências e “clichês de Hollywood na mesma sala” (festas “lobby”). Eles, os novos rebeldes “com” causa.
O roteiro, em estilo bastidores (como um “Café Society”, de Woody Allen), de “La La Land – Cantando Estações”, que se divide em duas visões metalinguagem (a dela, “Levada da Breca”, de Howard Hawks; e a dele, quase um Jean-Paul Belmondo em “O Demônio das Onze Horas”, de Jean-Luc Godard) não se furta de usar e abusar de picardias-homenagens, por exemplo, uma crítica ao gênero musical samba: “Dane-se o público. Não podemos deixar o samba se sobressair na História”; à comida tapas; a própria Los Angeles – LA, que é traduzida por “Eles veneram tudo e não valorizam nada”; e a força do jazz, “uma forma de comunicação, uma forma de aceitação geral” que é “comparada” à música de “elevador” de Kenny G.), tanto nos diálogos, quanto nas microações representativas.
Os risos contidos, inocentes e ingênuos de Ryan Gosling dão naturalidade e espontaneidade equilibrada à história. E assim: a vida precisa acontecer, o cinema, morrer, e os sonhos transformados em um passado distante. O mundo muda. Mas as memórias estão lá. Adormecidas como uma Cinderela, prontas para serem revisitadas e revividas com a verdadeira paixão incontrolável que não se preocupa com o cuidado protetor do “se”.
“La La Land – Cantando Estações” é um “brinde aos sonhadores mesmo tolos”, aos “corações que sofrem a desordem”. E assim, cinco anos depois, a sucesso objetivado por anos não é mais sonho e sim uma realidade adulta. As memórias felizes resgatadas de uma simples lembrança que parece mais um filme em 16mm. E com tudo isso, com todas as adversidades e caminhos contrários, eles sempre “terão Paris” no mais íntimo das vivências. Imperdível. Tanto que é impossível não sair à rua e imaginar (esperando) que todos começarão a cantar ou que a vida é mais doce quando cantarolamos “Cidade das estrelas – Você está brilhando apenas para mim? – Cidade das estrelas – Há tanto que não consigo enxergar – Quem sabe? – Eu senti desde o primeiro abraço que te dei – Que agora nossos sonhos – Eles finalmente se realizaram – Cidade das estrelas – Apenas uma coisa que todos querem – Ali nos bares – E através da névoa dos restaurantes cheios – É o amor – Sim, estamos todos procurando pelo o amor de outra pessoa – Uma adrenalina – Um olhar – Um toque – Uma dança – A expressão nos olhos de alguém – Para iluminar os céus – Para abrir o mundo e fazê-lo dançar – Uma voz que diga, eu estarei aqui – E você ficará bem – Eu não ligo se souber – Para onde eu irei – Pois tudo o que eu preciso é desse sentimento louco – Um turu-turu-turu no meu coração – Acho que quero que isso permaneça – Cidade das estrelas – Você está brilhando apenas para mim? – Cidade das estrelas – Você nunca brilhou tanto”, e quando percebemos que todas as sessões de pré-estreias estão esgotadas. Ah… A Magia do Cinema.