O raiar nos trópicos
Por Gabriel Silveira
Acredito que Jonas e o Circo Sem Lona é um filme que revela-se densamente potente, justamente, em sua superfície. Fora discursos políticos terceirizados pelos tons submersos por subjetividades e idiossincrasias, o projeto de Paula Gomes trata do corpo livre, leve e solto do lúdico, da fantasia e do sonho. Da infância e do estado da estirpe de um nódulo da entidade da tradição verdadeiramente popular.
No documentário, Gomes e equipe acompanham o esforço de Jonas a propósito da realização de sua própria companhia de circo que pretende circular por todo o território de seu quintal. De início, a diretora nos arremessa de encontro com o olho do furacão dos brainstormings criativos e reuniões de pautas administrativas que Jonas e sua equipe articulam (com a direção incisiva e eloquente de Jonas, que impõe-se como alguém que tem confiança absoluta em sua própria visão).
Em um primeiro momento, Gomes posiciona-se como uma mosca observativa que apenas enaltece e catalisa a harmonia inicial dos primeiros experimentos de Jonas e a primeira formação de sua trupe. E quando aponto o espírito de mosca na parede é porque este é executado de uma maneira que viabiliza um reinado do cândido em quase todos os tratados lúdicos estabelecidos entre as crianças, como se estas já estivessem completamente entrosadas e houvessem depositado uma parte considerável de confiança na equipe do projeto, ou, fossem apenas atores natos que possuem um domínio exímio das rédeas da mise-en-scene. No entanto, o que acaba soando mais provável é a primeira opção.
Sua mãe deixou de acreditar em suas raízes circenses desde sua juventude passando para Jonas o “fardo” de ser o estudante da família. Como antítese do desejo da mãe dentro daquele lar há a avó de Jonas que, mantém um apreço singelo a suas memórias de exercício do ofício de (aparente) “faz tudo” de espetáculo, em oras ousa, até mesmo, dar lições de contorcionismos aéreos as crianças envolvidas na empreitada do menino do circo apesar de sua idade avançada. Neste cenário, como Jonas não quer fazer nada de sua vida além do circo, este põe uma imensa cota de suas esperanças da concretização de seu sonho nas mãos de Paula.
Depois de alguns espetáculos de sucesso sucesso de público entre a criançada de seu bairro, a comitiva de Jonas acaba passando por diversas adversidades, membros que não podem comparecer a ensaios por conta de responsabilidades para com suas rotinas de família e alguns que os pais simplesmente não permitem que trabalhem com Jonas, chegando ao ponto — quando Jonas encontra-se apoiado apenas por dois membros que nem mesmo faziam parte da formação original da trupe — de uma dissolução completa da equipe por conta de desavenças amorosas.
E é neste momento de desilusão do menino que o cerne da razão do filme se afirma de maneira expositiva. Apesar de me ser desconhecida a condição do vínculo entre Paula Gomes e Jonas; é aguda uma predisposição de um enorme afeto em cada sequência apresentada — que anteriormente apontei como confiança — a maneira que Jonas se porta em quadro (seu acordar, beijar, ceiar) remete-me ao naturalismo fabricado pela câmera de materiais caseiros, quase como meus primos atuam entre si numa relação plástica verossímil, apesar da presença trambolhesca do dispositivo.
Jonas acaba perguntando a Gomes o porque de continuarem as filmagens já que o circo acabou fracassando, a diretora responde que se o circo não der certo não tem problema, porque fazer um filme é como fazer o circo, o esforço de conjuntura e toda a vontade são a chave, a resposta é seguida por um carinho da voz fora de quadro que conforta os cabelos de um Jonas desistente. No fim das contas o objeto do filme afirma-se não como a empreitada de Jonas, mas o menino em-si, seus erros, seus vacilos; todo o seu carisma ,afetos, vontades e espirituosidade que são pintadas sobre um terceiro plano que é retrato fiel dos trópicos subdesenvolvidos (a decadência do ensino público, a vida à margem sob palmeiras num dia chuvoso) que são síntese da solar esperança brasileira.