A Cinefilia Clássica de François Ozon que nunca erra de tom e de cor
Por Fabricio Duque
O cineasta François Ozon (de “Dentro da Casa”, “Potiche”, “O Refúgio”, “Uma Nova Amiga”, “8 Mulheres”, e que já está em produção com “Double Lover”) corrobora sua inquietação na realização em seu novo filme finalizado, “Frantz”, que está indicado ao César 2017, o “Oscar francês” (nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz Estreante, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Som, Melhor Montagem, Melhor Fotografia, Melhor Figurino), e por sua maestria em contar histórias, embalando e afeiçoando o espectador na estrutura da cinefilia clássica e no “amor essencial-técnico-passional ao cinema”.
A fotografia intercala o branco e preto (à moda “Tabu”, de Miguel Gomes), uma realidade, e a fantasia pela cor pincelada como um quadro de Édouard Manet, e fornece uma revisitada experiência contrastante de nostalgia e atemporalidade. É, sim, em eu propósito assumido, uma novela traduzida e adaptada do filme “Não Matarás” (1932), de Ernst Lubitsch, com excelência, sistemática e controle total da mise-en-scène.
Seus atores interpretam por sutilezas expressionistas e aos poucos somos conduzidos ao universo livre, libertário, folhetinesca, romanceada, particular, único e de excentricidade coloquial de Ozon, que insinua uma quebra de paradigmas sócio-moralistas-comportamentais pelos detalhes inseridos que ganham o tom subjetivo que cada espectador escolhe aceitar e “degustar”.
Em uma pequena cidade alemã após a Primeira Guerra Mundial, Anna (Paula Beer) chora diariamente no túmulo de seu noivo, Frantz, morto em uma batalha na França. Um dia, um jovem francês, Adrien (Pierre Niney), também coloca flores no túmulo. Sua presença, logo após a derrota alemã, inflama paixões.
Esta aceitação social é manipulada com requintes de uma simplista e crônica sagacidade. Na mesa, o pai, a mãe, a viúva-noiva, estes alemães, ouvem as histórias e lembranças (que “trazem conforto”) de um sugerido amante apaixonado francês soldado de Frantz, que deixa flores no túmulo e que chora ao lembrar do falecido. Todos falam em alemão. Há algo de “Yossi e Jagger”, de Eytan Fox, e “Brokeback Mountain”, de Ang Lee. O pai, visivelmente constrangido, não pelo suposta homossexualidade inferida de seu único filho, mas por ter se envolvido amorosamente com um inimigo francês. As duas excitam-se, interessadas em saber como foi que os dois se conheceram e como foi o último momento vivido.
Como já foi dito, é incrível como François Ozon tem controle absoluto de sua direção e de envolver com a construção afiada da trama (algo de “Jules e Jim”, de outro François, o Truffaut, com a estética visual de “A Fita Branca”, de Michael Haneke, com a modernidade “Na Vertical”, de Alain Guiraudie, e a cinematografia de “À Sombra de Uma Mulher”, de Philippe Garrel, que aqui tem em seu ator principal uma semelhança com seu filho, o ator Louis Garrel). À princípio, são dois amigos observando as obras de arte no Museu do Louvre, flertando com mulheres e dançando com eles. Uma amizade forte e íntima, indiciado pelo olhar assumido e desejoso do autor da história, que possui total liberdade poética em florear acontecimentos e projeções.
Todos trocam conhecimento sobre Frantz e se retro-alimentam da “comida” da lembrança, e conturbando nossas percepções já aceitadas, por inserções literárias de Rilke versus Verlaine, reverbera confissões de vidas privadas (novamente dentro de casa) do novo “irmão adotado” e um novo filho que tem a vivacidade do falecido dentro dele. Sendo dramáticos, solidários e cúmplices, repercutem a personalidade do povo alemão que em doses homeopáticas se transforma em francês, entre baile típico alemão de interior. em 1919. A direção de arte é impecável, assim como seu figurino. A atmosfera desvirtua a própria liberdade de uma sexualidade natural.
Quando alemães estão de forma passional-nacionalista contra franceses, percebemos um que de Ken Loach (e seu “Jimmy’s Hall”), principalmente quando a “liberdade que sacode os ventos” de um filho, adjetivado como um amigo pacifista amigo dos inimigos franceses. A solução é o discurso inflamado de uma redenção e um atestado de culpa de “serem os pais os culpados por terem mandado os filhos ao fronte da guerra”.
“Frantz” é um “Romeu e Romeu” em guerras inimigas. E então, a surpresa óbvia narrativa, não tão surpresa assim, surpreende pela necessidade ingênua e inocente de toda uma sistemática condução. A culpa. A mentira ou a proteção da verdade. A volta à estaca zero. Tudo por interpretações confiantes, naturalistas, condizentes e mais que convincentes, principalmente de Paula Beer, que é um “monstro” em cena; e pela poesia do bucolismo, recorrentemente interferido pela ancestralidade psicológica-cósmica da natureza. A chuva. O tempo contemplativo da análise existencial.
O longa-metragem subverte a realidade e a “verdade” para que a tranquilidade da alma continue como uma “A vida é bela”, de Roberto Benini. As cartas. O Padre. O perdão. O acaso e suas complicações cruéis. A França destruída pela guerra. O hotel, uma espelunca à moda Moulin Rouge. O universo paralelo incompreendido. “O tempo que ajuda a esquecer”. Ora com decepção, ora com a excitação desgovernada por águas frias. Tudo para “entrar” nas mentiras “frágeis” e “atormentadas” já aceitas. E abrindo um parênteses: assistir ao filme no avião rumo a Paris (uma escala parada) para chegar a Berlim, fez com que toda uma atmosfera 4D fosse criada.
“Frantz” é uma busca misteriosa e investigativa ao platonismo do amor do querer desejoso, mas que encontra os princípios, que “quando acontece é tarde demais”. E assim, eles nunca mais terão Paris. Só a loucura de uma realidade colorida. Recomendado. Imperdível. O filme participou da seleção do Festival de Sundance 2017, Festival de Veneza e Toronto 2016.
2 Comentários para "Crítica: Frantz"
Bela crítica. Assisti ao filme ontem dentro da mostra Varilux. É impressionante a forma que o diretor conduz essa narrativa.
Assisti ao filme. Sinto-me um privilegiado. Parabéns à todos os envolvidos na película. Sou cinéfilo e tenho uma neta com 19 anos que estuda cinema em Vancouver no Canadá. Desculpem minha falta de entendimento ou percepção, talvez meus 73 anos estejam influenciando negativamente, mas, vamos que vamos. Frantz é morto na guerra ou suicida-se no quarto do hotel? Me respondam, preciso dormir, e juro que não conto à ninguém. Desde já obrigado pelo carinho.