Na superfície do luto
Por Fabricio Duque
A nova obra de co-produção argentina e brasileira (de Tatiana Leite) busca reverberar uma primária característica: o cinema de contemplação. “Família Submersa” desenvolve-se pelos intimistas detalhes das micro-ações cotidianas de uma família comum, para assim analisar o tudo com a vivência do nada.
É o contexto do tédio repetitivo que não só estimula a mudança, mas instaura o caos total, instigando a urgência passional e a iminência do seguir avante e além, como uma sobrevivente e permissiva aventura por mares nunca antes navegados. Nós podemos referenciar temas e narrativas semelhantes, como “Sueño Florianópolis”, de Ana Katz; “Pela Janela”, de Caroline Leone; “Vergel”, de Kris Niklison. E também importar intenções estruturais da Nouvelle Vague e do Neo-Realismo Italiano.
Dirigido pela argentina Maria Alché (atriz de “A Menina Santa”, de Lucrecia Martel, e estreante na direção em um longa-metragem), “Família Submersa” é uma epifania do luto, que causa uma combustão psicológica e desencadeia desenfreadas confusões de memórias (fotos e lembranças contadas), entre percepções de uma realidade expandida e uma projetada imaginação.
Quando Rina morre repentinamente, a vida de sua irmã e companheira de vida Marcela (a atriz Mercedes Morán, de “O Anjo”, “Sueño Florianópolis”, “Um Namorado Para Minha Esposa”, “Diários de Motocicleta”, “O Pântano”) é completamente abalada. O velório é sobreposto por conversas sobre o passado e assuntos familiares que incomodam Marcela (uma mãe e esposa submissa a filhos mimados e marido ausente), principalmente por estar recebendo todos em sua casa. Está resignada na condição atual. Há um descompasso, visível no tamanho do terno do filho.
“Família Submersa” é sobre instantes da vida, que com sua câmera próxima, quase mosca, quer captar a espontaneidade das ações, estas por sua vez que sofrem interferências de novas condições. Esse rotativo balé de urgentes e atravessados acontecimentos faz com que o filme soe teatral em sua ambiência de emoções encenadas conduzidos com pressa pelo roteiro. Não há tempo do respiro (nem para a análise da informação da cobra que troca de pele), afastando assim o público de sentir o sentimental do momento.
É tudo sobre Marcela. Sobre sua incapacidade de lidar com sua família dominante. Sobre os filhos que estudam em casa. Sobre descobertas de novas possibilidades amorosas. Sobre aulas de química e biodiversidade. Sobre gerar mais estabilidade em sua vida. E sobre não aguentar mais esconder suas convenções politicamente corretas e sociais. Apesar do filme, que coloca sua câmera a maior parte do tempo em ambientes fechados, internalizados em uma casa, ser sobre relações silenciosas, não há o tempo do silêncio.
“Família Submersa”, exibido no Festival do Rio 2018, é também um filme quebra-cabeças, em que o público precisa ligar os pontos do passado com o presente, para descobrir segredos e mistérios pululantes, como a metáfora da mangueira e da história do contorcionista, farmacêutico e a selva. Aos poucos, a protagonista encontra seu descanso. O cortejo, o cigarro e a brincadeira maquiada de mulher fatal. Mas toda a construção cênica é superficial e afetada (uma ingenuidade cúmplice sobre amenidades ordinárias), com um que da atriz francesa Isabelle Huppert, perceptível principalmente quando dubla com os filhos a “bruxa da floresta” da peça “Ícaro”, que na mitologia grega, era o filho de Dédalo, conhecido pela tentativa de deixar Creta voando, frustrada em uma queda que culminou na sua morte nas águas do mar Egeu. Talvez outro simbolismo sobre a apática Marcela, que não sabe nada do voo de seus filhos independentes e que se entrega à loucura mental de ver o que não acontece?
Não há sutilezas neste longa-metragem. Tudo é objetivo, prático, direto e fora do tom. Até mesmo quando adentra no universo paralelo dos fantasmas internos de “mães bruxas” em um “sentido criado” de um bosque mental “nunca pisado por ninguém”. “Profundo e santo, nem isto, nem aquilo”. É uma versão mais conceitual de “Quero ser John Malkovich”, de Spike Jonze, com “luz, claridade e névoa”. Com as mesquinharias do irmão “nascido do repolho”, de olho no dinheiro da herança. Marcela anda sem direção, conhece um brasileiro, quer visitar o Rio de Janeiro e vivencia aventuras amorosas quando descobre terrenos.
“Família Submersa” é um filme sobre o tempo e a maneira de cada um de lidar com os dramas. Uns intensificam catarses alucinógenas, outros querem potencializar emoções condicionadas e socialmente esperadas. Contudo, há algo que incomoda: esse limite tênue, não compatível, entre materialização sentimental com a desmaterialização do real. Assim, o resultado está mais próximo de um ensaio de linguagem que um exercício naturalista sobre a experiência subjetiva do luto que cada ser humano vivencia de um jeito.