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Estrelas Além do Tempo

Revistando discursos contra o preconceito

Por Fabricio Duque

Estrelas Além do Tempo

A importância de “Estrelas Além do Tempo”, indicado ao Oscar 2017, entre eles de Melhor Filme e Melhor Atriz Coadjuvante para Octavia Spencer, não está em sua forma novelesca anti-naturalista e com interpretações forçadas e palatáveis, tampouco em seus recorrentes rompantes clichês dramáticos em querer manipular o sentimental do espectador, e sim em seu discurso feminista, minoritário e político-social. É uma luta contra o preconceito. Baseado no livro homônimo “Hidden Figures” (título original – e que em uma tradução literal seria “Figuras Ocultas”) de Margot Lee Shetterly, o longa-metragem do americano Theodore Melfi (de “Um Santo Vizinho”) estreia em um momento oportuno: quando as ideias do novo presidente Donald Trump reavivam a xenofobia.

Conta-se a história verídica de três mulheres e negras (superdotadas em seus QI altamente inteligentes) batalhando por uma promoção e um melhor lugar ao sol no Grupo de Tarefas Especiais da Nasa, em uma época que esta combinação limitava sonhos. De computadoras de cálculos a engenheiras ou supervisoras, integrantes de uma sociedade norte-americana que lida com uma polêmica e radical cisão racial, entre brancos e negros. Tal situação é refletida na Nasa, onde um grupo de funcionárias negras é obrigada a trabalhar a parte. É lá que estão Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), grandes amigas que, além de provar sua competência dia após dia, precisam lidar com o preconceito arraigado para que consigam ascender na carreira.

Em “Estrelas Além do Tempo”,  busca-se despertar no público a sinestesia do momento de seus dramas, humilhações, de sua “hitleriana” superioridade branca contra os negros no ano de 1961, em plena Guerra Fria, período que Estados Unidos e União Soviética (“Os russos devem estar nos espiando, e tirando fotos da gente”) disputam a supremacia na corrida espacial em lançar um ser humano ao espaço. A narrativa cria sacadas inocentes de humor quando, por exemplo, em uma cena (que inverte o papel social), as três funcionárias são “escoltadas”, não na frente e sim perseguindo um policial branco para assim não chegarem atrasadas. E como consequência não “atrapalharem o lançamento de foguetes ao céu e estabelecer entrada na órbita”. “Isso é um milagre anunciado por Deus”, diz-se. Elas precisam conviver com o lugar destinado no fundo do ônibus, com o banheiro longe do prédio do trabalho, mesmo com provas contundentes e inquestionáveis da competência matemática em “geometria analítica”.

A mise-en-scène, que lembra a de “Histórias Cruzadas”, de Tate Taylor, usa e abusa de gruas aéreas com trilha sonora óbvia de pop-popular. É um filme sobre supremacia dos os americanos investindo tempo, deveres e dinheiro para serem os primeiros no campo orbital. “Perigoso é inatividade e indecisão” e “Nasa, rápida com foguetes, lenta em avanços”, diz-se reverberando um roteiro movimentado pelo efeito. Lá, no prédio de trabalho, dois grupos. Oeste dos negros. Leste dos brancos. Computadoras negras. Cálculos. Uma mulher negra e um judeu “vivendo o impossível”. E linguagem técnica sobre erosão e proteção dos impulsionadores O “dançarino com lobos” Kevin Costner e “Sheldon” do seriado “Big Bang Theory”. “Tudo é temporário, Dorothy”, diz-se, uma explícita referência a “Mágico de Oz”.

A direção de arte e o elegante figurino são primorosas e impecáveis como construção cênica. O vestido, o cabelo alisado e o salto alto. “Suéteres são melhores do que blusas”, ensina-se. A condução diretiva da trama não espera para acontecer. Os detalhes preconceituosos de uma sociedade racista (e inquestionavelmente submissa às leis constitucionais enraizadas no imaginário comportamental popular) são apresentados imediatamente. Ela vista como uma simples faxineira “esvaziadora” de lixo. Uma dessas três figuras que venceram, mas precisaram condensar o tom forte, submisso, defensivo e respeitoso de seus atos-ações cotidianas, avaliadas por olhares julgadoras por todos. Não foi fácil.

“Estrelas Além do Tempo”, se vista pelo passado segregado, é polêmico e revolucionário por quebrar paradigmas e modificar a ideia massificada de que negros e mulheres eram inferiores e incapazes. Elas, entre o universo majoritariamente masculino (com exceção da única mulher branca, que é uma secretária) sobre “Triedro de Frenet-Serret”, “ortogonalização” (que é o processo de encontrar um conjunto de vetor ortogonal que gera um subespaço específico), coordenadas euclidianas. Elas impõem-se pelo conhecimento.

O filme pode ser resumido como uma união de “Gênio Indomável”, de Gus Van Sant com um “Selma” (mais espirituoso ao humor anedótico de suavizar com inocência fragilidade – e picardias solidárias aceitáveis e entendidas) com “O Jogo da Imitação”, de Morten Tyldum. Mas, caro espectador, não se engane: em sua essência, é assumidamente um novelão, e mais um exemplar comercial de uma Sessão da Tarde. Elas aprendem a “olhar para além dos números. Ao redor deles. Entre eles. Para responder perguntas que nem sabem perguntar. De uma matemática que ainda não existe”. Na “nova função, um desafio”. Sim, o roteiro também não ajuda com seus gatilhos comuns: a mãe que apoia, que por sinal a filha é mãe viúva de três crianças; o culto da Igreja; as festas de domingo,; “os direitos civis nem sempre são civis”; o marido de uma delas que não a incentiva a estudar, mas depois aceita incondicionalmente com tanto “açúcar” que saímos com nossas glicoses alteradas, principalmente pelas ações teatrais desengonçadas e encenadas demais.

“Estrelas Além do Tempo” conversa com outro filme de gênero, “Moonlight”, por causa da presença de alguns atores, como Mahershala Ali e Janelle Monáe. Aqui, por elipses fragmentadas da História, em que aos poucos elas são aceitas e não ficam mais receosas em perder os empregos pela aquisição do Computador IBM central, que faz cálculos ultra mega rápido, mas que não “passa pela porta” (erro de cálculo). Essas três “figuras ocultas” vão conseguindo seus lugares pela inteligência humilde e não pela arrogância “branca”. Mas cada vez que “tentam avançar são impedidas” e “não podem mudar a cor da pele”.

“A segregação tem que acabar”. E também os “bebedouros de brancos e negros” na Virginia. Os protestos culminam na humanização do social. Kennedy, presidente. Até a biblioteca pública é segregada. “Separados e iguais são duas coisas diferentes”, diz-se. Porém as festas “negras” passam vida e são muito mais divertidas. Todos as subestimam. Mas um branco “com poder” faz a diferença e acorda. Como o bombeiro de “Fahrenheit 451”, livro de Ray Bradbury e filme de François Truffaut; e como o oficial nazista de “A Lista de Schindler”, de Steven Spielberg. “Na Nasa, agora urinamos na mesma cor”, discursa-se.

Sim. “Estrelas Além do Tempo” tem clichês demais. Mas como foi dito, é sobre o a mensagem. E conta com inserções documentais de imagens de arquivo que enriquecem nossa experiência. Em resgatar um período trágico e sôfrego que engessava as mulheres negras por orgulho machista. É sobre a revolução-marcha destas mulheres para existirem. Para provar que podem fazer a diferença. E para perder o medo do “homem branco”.

3 Nota do Crítico 5 1

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