“Eu sempre estive na América”
Por Vitor Velloso
O circuito comercial do cinema mexicano lança o novo longa atuado por Gael García Bernal e Verónica Echegui, um possível sucesso de bilheteria, e o México continua mostrando a maior parte da América Latina como realizar um projeto vendável, minimamente autoral e que não ofende os olhos do espectador. Infelizmente, no Brasil, temos um comércio constante de deficiências e tromboses globochanchadescas que ferem diretamente qualquer sinapse cerebral.
Contando com uma trama curiosa por si só, ainda que brevemente colonizada, o longa tenta cativar sua comicidade através dos seus absurdos, no início da história, Eligio (Gael) chega em casa bêbado, enquanto Susana (Verónica), sua esposa, dorme, eles tem um breve diálogo e no dia seguinte ela vai embora sem dar explicações. Desesperado, o protagonista vai atrás de informações dela, levando-o à conclusão que ela se encontra em Iowa, EUA. Ele vende o carro e viaja à Trumpland. Simbólico não? Um mexicano vendendo parte de seus bens a fim de ir atrás de sua amada no inferninho imperialista. Ao menos, uma mea culpa é feita em breves cenas, onde vemos o racismo norte-americano aflorar nas palavras do taxista, falando que o Gael não parece um mexicano, ele parece melhor.
As tentativas de empatia construídas pelo roteiro, funcionam. O casal possui uma química autodestrutiva que se impõe durante toda a projeção, faz o público dar breves sorrisos com determinadas atitudes de cada um. Toda a construção disfuncional, permitem que os personagens venham a vida diante de nossos olhos, por mais insensatos que soem os momentos, nos vêm à mente pessoas reais que conhecemos. Os momentos mais engraçados do filme, sem dúvida, surgem de uma concepção turbulenta dos dois atores. Toda a atitude de canastrão impagável de Eligio, paralelo à postura quase inconcebível de Susana. Vale salientar que a cena que dá nome ao filme, é uma das mais divertidas, de longe, onde debate-se o tamanho do pênis de um polonês brutamontes que não se permite a fala durante toda a duração da película.
Os momentos de conflito etnocêntrico funcionam parcialmente, pois ainda há um eufemismo que não dá para perdoar por parte do diretor, Roberto Sneider, mexicano, mas que parece defender pequenos valores norte-americanos, ainda que faça críticas diretas aos mesmos, não consegue se fazer claro o suficiente para desviarmos os olhares de suas fragilidades. Ainda que haja alguma noção de assinatura no fim das contas, a voz de Roberto fica apagada diante da criação do casal protagonista. O entretenimento falou mais alto e o que vemos é apenas um produto cinematográfico, pronto para vender um bocado, já que possui Gael no elenco, o que é um chamariz inclusive pro clássico público do “cinema de autor”. A interpretação do Mexicano é calorosa e ativa, funciona muito bem para o que é proposto, assim como sua companheira de cena, que possui uma quantidade de dúvidas notoriamente maior.
A disputa nada diplomática que acontece entre México e EUA, em diversos diálogos, são um dos bons momentos da projeção, gerando algumas identificações culturais que geram piadas pertinentes, como a dificuldade em elencar uma característica da gastronomia das cidades de cada Estado, o que vemos como uma facilidade admirável em terras latinas. Para além da comparação, é possível enxergar direto na linguagem cinematográfica algumas características ligeiramente latino-americanas, exemplo a forma como se lida com a sexualidade na fotografia. Porém, é nítida a cadência voltada majoritariamente à parcela da Trumpland, o que é uma pena, mas compreensível, já que busca-se atingir uma bilheteria ampla com o projeto, e já que o olhar do sulamericano está domesticado pelo imperialismo ideológico estadunidense, pena à cultura latina.
No fim, “Estas me matando susana” é eficiente. Conta com muitos problemas de identificação cultural e eufemismos políticos, frutos de uma covardia quanto a distribuição. Além de pequenas falas expositivas, ainda que raras, e diversos personagens jogados ao relento. Deste último, o menos pior, já que compreende-se que o eixo central da obra é o casal. Infelizmente, possui um final honesto, mas que não cabe ao longa, possivelmente uma extensão da cena possibilita-se uma desenvoltura dramática mais ampla, que permitisse ao espectador ser tapeado daquela maneira, emocional.