Violência gratuita: elogio ou ridicularização?
Por Bruno Mendes
Nos anos 90 eram frequentes as noites e madrugadas em que assistíamos aos filmes violentos protagonizados por um Charles Bronson impiedoso e vingativo. Os limites morais sobre o que se podia ser visto em tela eram outros e quem ficava acordado para acompanhar sessões na TV aberta há duas ou três décadas sabe que o sangue jorrava para valer. Nesse sentido, o filme “Desejo de Matar” (dirigido por Eli Roth) e remake do longa homônimo de 1974, é brando e não há o extrapolo quase pornográfico (e divertido, confessa!) de tinta vermelha.
A história da versão protagonizada por Bruce Willis aponta no mesmo caminho da obra anterior: a saga do ético e pacífico cirurgião Paul Kersey, que após a violência das ruas escancarar as portas da sua casa e vitimar sua mulher e filha, busca vingança e, sem esperar a ação policial, decide correr atrás dos malfeitores e de alguns outros bandidinhos que surgirem pelo caminho. É claro que os tempos são outros e o subtexto deste exemplar segue na direção das questões pertinentes da secunda década do século 21: questionamentos sobre o suposto heroísmo de um ‘justiceiro´ na sociedade, banalização da violência nas redes sociais, veiculação de memes e por aí vai.
Ainda que o filme siga com coerência nos trilhos do descompromisso e apresente ótimas doses de senso de humor, não deixam de ser pontuais as disposições de temas pertinentes no mundo todo, principalmente quando assistimos do Brasil, país com o maior número de cidades entre as mais violentas do planeta.
Por outro lado é verossímil pensar que a obra não economiza no discurso panfletário favorável ao armamento da população e representa uma espécie de ode à verborragia grosseira, raivosa e com nuances intolerantes de figuras como Donald Trump ou tantas outras de sucesso midiático, pertencentes à tal ‘extrema direita’.
Se fosse dirigido por um brasileiro radicado nos Estados Unidos e olhasse aquela Chicago por um viés carioca, ouso dizer que se trataria de uma alfinetada no tal ‘politicamente correto ’ das “esquerdas”, algo muito em voga no cenário político/social deste canto mundo. Contudo, a lógica no terra do tio Sam é distinta e por mais que a aparente aura propagandista e ideológica seja até certo ponto incômoda, Desejo de Matar torna-se engraçado ao possivelmente escancarar o quanto a vingança, a raiva desmedida e a violência urbana ( aquela das gangues que agridem ou matam o ‘cidadão do bem’) são igualmente nefastas em contexto civilizatório.
Algumas passagens chamam a atenção se formos pensar em banalização da violência: Kersey assiste a um comercial de armas que mais se parece com essas propagandas do Shoptime para vender eletrodomésticos com mil e uma utilidades. No anúncio televiso uma moça bonita expõe com leveza e habilidade ímpar de vendedora as vantagens de adquirir uma metralhadora que dispara trocentos tiros por segundo.
Em outro registro, durante conversa com a psicóloga – já qualificado como matador de bandidos – diz sentir-se melhor com os novos hábitos que está tomando e a terapeuta conclui: “continua fazendo isso”. Risos nervosos!
Na universo diegético de Desejo de Matar a justiça é inoperante. A quantidade de papéis adesivos com crimes não solucionados não cabe mais no quadro da delegacia. Policiais correm em círculos sem nada resolver e são representados quase que como caricaturas farsescas. A atuação do estado é nula. O caos reina e Roth não abre mão do escárnio: “a solução é cair na porrada”: eis o discurso. Não restam dúvidas de que o #teamTrump vibra e guiados por suas perspectivas ideológicas, o riso não pode ser tão nervoso, mas de alívio e de torcida mesmo.
Desejo de Matar é um filme ágil, redondo e a condução narrativa não desafina. É divertido observar um já envelhecido Bruce Willis tornar a vestir a roupagem de porradeiro que por décadas encanta os amantes do cinema deste gênero. Em contrapartida ganham forças as lembranças de que o Brasil de hoje – e não aquele dos tempos dos filmes do Charles Bronson – está norteado por “pensantes” fascistóides que defendem a lógica nada civilizada de que “bandido bom é bandido morto”, a mesma ideia que parece encher a cuca de Eli Roth.
Prefiro enxergar Desejo de Matar como um grande grito: “a violência é ridícula e todos vocês são insanos”. Ingenuidade?