Curta Paranagua 2024

Crítica: De Carona Para o Amor

A Fórmula do Amor Ingênuo

Por Michel Araújo


“Um sedutor de caráter condenável vive alguma sorte de mentira para se aproximar de uma mulher por quem acaba se apaixonando”. Por quanto tempo continuaremos a ver essa mesma premissa? Bem, enquanto o público continuar sendo complacente, certamente não será pouco tempo. “De Carona Para o Amor” (2018) traz desde o princípio a mesma proposta que qualquer comédia romântica americana ou mesmo brasileira, e não falha em replicar rigorosamente a fórmula do amor cômico no cinema.

Integrante da curadoria do Festival Varilux de Cinema Francês de 2018, o filme trata do sedutor “pilantra” Jocelyn (Franck Dubosc) que se finge deficiente cadeirante para se aproximar da jovem e atraente vizinha, Julie (Caroline Anglad), porém descobre que a irmã da dita vizinha, Florence (Alexandra Lamy), é de fato deficiente, situação embaraçosa que acaba gerando uma aproximação entre Jocelyn e Florence e consequentemente uma eventual paixão entre os dois. A câmera desde o princípio do filme, numa função subjetiva, filma de forma fetichista as mulheres ao redor de Jocelyn – enfoque em curvas e decotes –, porém esse olhar não se redime de forma pontual e concreta com o passar da narrativa. À exemplo, assim que a personagem de Julie é introduzida, o enquadramento é quase inteiramente em seu traseiro, quando não temos que olhar lascivamente seu decote acompanhando o olhar pervertido do protagonista. Todo esse vislumbre não é exatamente necessário para que se entenda que Jocelyn é um canalha com todas as letras, mas mesmo assim ele está persiste. Para além desse primeiro ato, por volta da metade do filme, quando o personagem de Dubosc assiste às performances de Florence, não se deixa de lado esse olhar sexualizado, tanto em sua partida de tênis, onde ambas as atletas aparecem com o corpo besuntado, como na apresentação de sua orquestra, onde Jocelyn irá se ver percorrendo o corpo da personagem através de um par de binóculos, para então tomar consciência de sua atitude e voltar o olhar novamente para o rosto de Florence. Esse talvez seja o ápice de reversão do olhar, o que entretanto, não é suficiente para redimir por completo o caráter do direcionamento de olhares e perspectivas que se manteve no início da obra.

Além de protagonizado por Dubosc (“Bis”, “Barbecue”, “The Visitors”), o longa também é a estreia de direção e roteiro do mesmo – qualquer semelhança com a magnum opus de Tommy Wiseau é mera coincidência –, sendo todas as funções cumpridas de forma mediana e se atendo à funcionalidade mais do que a criatividade. As atuações do par romântico, Jocelyn e Florence se mantém equivalentes, dando ênfase na realidade de ambos, porém sempre mantendo a subjetividade voltada para o protagonista, como há de se esperar de um romance moralista que se propõe a uma saga de revolução de caráter – vide o olhar erótico da câmera. A personagem de Florence, uma deficiente repleta de virtudes (uma talentosa violinista, jogadora de tênis) cumpre um papel saturado de uma revelação didática sobre as competências de pessoas deficientes, o que, contudo, somado às diversas falhas do filme, resulta apenas num apelo fraco ao espectador.

Por mais que todo novo filme deva ser recebido livre de preconceitos, infelizmente, a obra cumpre precisamente todos os clichês que se esperaria de sua proposta: em todos os momentos que Jocelyn poderia ser desmascarado por Florence há uma fortuita oportunidade para que ele se mantenha dentro de seu personagem (inclusive uma cadeira de rodas a esmo no corredor do estádio de tênis); uma cena onde o personagem se vê confrontando moralmente suas atitudes dentro de uma Igreja (nem mesmo o moralismo religioso foi excluído do jogo de drama); e por último, como sempre, após se arrepender de sua trajetória, Jocelyn parte de carro atrás do ônibus de viagem de Florence na padronizada “sequência da corrida pela redenção”, onde o arrependido canastrão irá pedir perdão a sua amada, o que não deixa nem um pouco óbvio a conclusão de uma comédia romântica padrão. Apesar de na superfície parecer bem intencionado, esse cinema leviano de Franck Dubos não trás para o espectador nada de novo que iria instigar a bondade e redenção que vemos surgir no protagonista. Há apenas um lampejo ingênuo de uma ficção descompromissada com sua própria temática.

2 Nota do Crítico 5 1

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