Impacto realista no imaginário
Por Filippo Pitanga
Durante o Cine Ceará 2018
O quão grata é a surpresa de assistir uma animação com proposta tão paradoxal quanto interessante, em tema relevante que não se torna maniqueísta ou panfletário, ao menos na visão deste crítico. “Plantae” de Guilherme Gehr segue um homem serrando uma árvore no meio da floresta (que se pressupõe a Amazônica) e que aos poucos é tomado pelas consequências de seu ato, pode-se dizer, inclusive, como um castigo divino ou das próprias forças místicas da natureza atacada. Apesar de falar de assunto sério como o desmatamento no pulmão do mundo, o que poderia soar como um comercial do Greenpeace, o traçado extremamente realista no desenho em contraposição com a mágica que irá reequilibrar o dano à natureza é um contraste tão sublime que cresce a narrativa para além unicamente do alerta inicial.
Não que filmes com alertas ambientais não possam ser imteressantes por si só, como linguagem cinematográfica, independente da carga politizada que vem junto, mas decerto os exemplares bem-sucedidos no limiar desta fronteira são mais raros, como “Uma Verdade Inconveniente”, “Happy Feet” etc… Até a trilogia “O Senhor dos Anéis” de Peter Jackson usava parte da sua narrativa para denunciar o abuso predatório da natureza pelo homem, especialmente no segundo filme a partir do personagem Barbárvore, porém jamais pesou contra todos os méritos vanguardistas da trilogia terem apartado um momento para isto.
O fato de “Plantae” ser um filme com início, meio e fim, como também conter impacto, tensão e clímax, talvez seja o maior trunfo do realizador e sua equipe Aliás, uma equipe de extrema consciência ligada a trabalhos além-filme pela defesa do meio ambiente. Ou seja, a causa deles não se limita a este filme como instrumento. A técnica no riscado da natureza a parecer com uma fotografia de verdade por parte dos animadores, bem como a proposta lúdica de quebra drástica da realidade, como uma borracha que fosse apagando os rastros de veracidade no meio da animação realista, são contrastes que ampliam a imersão. Temos um mundo muito próximo ao nosso que passa a ser ameaçado pelo poder da animação com uma ameaça que não se vê, quase como no clássico infanto-juvenil “A História Sem Fim”, onde as consequências do descaso com a natureza são até piores do que as fabuladas de forma poética na tela. E isto com quadros extremamente belos, ora quase um documentário em desenho animado, como com os caminhões ou as farpas de madeira arrebentando ao som da motosserra; ora onírico como com a indígena esvanecendo ou as árvores flutuantes ao pôr-do-sol – imagens que marcam.
Para arrematar, o desenho de som também hiper realista e a trilha orquestrada num tom épico garantem um jogo de metáforas em grande identificação que criam tanto uma denúncia eficaz como uma peça cinematográfica abertamente politizada… Há muitas boas ideias ali, às vezes em sinergia e noutras talvez não tão bem azeitadas entre si, como se o planejamento do projeto fosse muito mais amplo, talvez até o de um longa-metragem, e que acabou tendo de ser montado em formato de curta-metragem. Ou seja, para se realizar obras de modo ativista e com consciência social, é preciso às vezes dar um salto na direção do risco, mesmo que às vezes injustamente isto seja confundido com uso panfletário ou maniqueísta que não lhe maculam a nobre intenção artística original.