Um sincero adeus!
Por Vitor Velloso
Em 2010, quando lançaram a série “Como Treinar seu Dragão”, apesar do sucesso, nunca me senti atraído pela animação. É difícil dizer o motivo, mas nunca consegui criar um laço emocional realmente forte com os personagens. Ainda assim acompanhei a trilogia, que culmina em seu desfecho agora em 2019.
Dirigido por quem sempre esteve à frente do projeto, Dean Deblois, o novo longa irá contar o terceiro ato da trajetória de Banguela e Soluço, assim como a proposta de introduzir ao dragão à possibilidade de um romance. Inicia a projeção buscando demonstrar algum grau de amadurecimento na franquia, mas nem tanto assim. A honestidade de Deblois durante a narrativa é admirável, não há pretensão de ser algo além de um entretenimento visualmente agradável e com uma história que prende a atenção do espectador. É claro que por tabela, algumas discussões sociais vão se formando, sobre liderança, relacionamento, orgulho, ego e amadurecimento. Parte dos gatilhos que a franquia possui como trunfo é a relação entre os protagonistas, que sempre se assemelhou a tudo que o ser humano construiu com os cachorros. Porém, a dimensão desse afeto não é preguiçosa em se limitar a apenas este estigma. O diretor arquiteta o relacionamento em uma estrutura bem definida que irá definir o amadurecimento de ambos os personagens, a complementação dos dois é extremamente sólida.
Esteticamente é o mais complexo da trilogia, sendo sábio em recompensar entre as cores e o preenchimento do quadro. Não torna-se vazio em flexionar o vislumbre visual à um projeto interessante, mas que perde a alma em compor imagens, como o “A Lenda dos Guardiões” do Zack Snyder. Os planos megalomaníacos de “Como Treinar seu Dragão 3” são realizados na intenção de aumentar o dicionário visual do longa, cenários, novas espécies etc. Porém, é nítido que por trata-se do encerramento dessa história há certos limites que não serão ultrapassados, ou seja, existe um certo receio de se arriscar quanto a proposta de toda a saga. Não é um demérito, afinal é um fim de ciclo que manteve durante muitos anos um público de fãs ansiosos pelo desenrolar da trama. A conclusão é de uma sinceridade ímpar, honesto em compreender que não há mais para onde prolongar a relação e maduro em aprender a se despedir daquilo que foi criado por nove anos. O desapego é uma das questões mais difíceis no cinema, em qualquer área e os produtores da DreamWorks enxergaram o esgotamento da franquia como a extensão de uma geração. O mais belo da atitude é passar à criançada o poder de despedir-se, mas de dialogar com os adultos de que a idade não faz parte da negligência ao passado, isso, é culpa sua.
E se o afeto é parte central, a amargura pelo desafeto, também. O vilão do novo longa, Grimmel (F. Murray Abraham), representa a maior ameaça que Soluço poderia enfrentar, ele é figura odiosa, alto, pálido, cabelo branco e que odeia Fúrias da Noite (espécie do Banguela). Acredita que deve exterminar todos os dragões do planeta, argumentando que ambos são incapazes de viverem em comunidade e os humanos são superiores, o pseudo Magneto nos lembra figuras demagogas da política internacional, não apenas por seu discurso genocida e absurdo, mas também pela maneira como controla todos ao seu redor, inclusive dois dragões que são sedados e respondem apenas seus comandos. As características do personagem são pinceladas com trejeitos clássicos de gangrena vilanesca tão comum em monstros históricos detentores do poder. Hitler seria um exemplo clássico é claro, mas podemos estender o pensamento a diversas partes do mundo, de David Duke a figuras latinas adoradoras da cultura norte-americana. Sua reação à tela é curiosa, ele não apenas é violento e impetuoso, como adora jogar com suas vítimas buscando trabalhar o psicológico de todas elas, gerando medo, a fim de controlar todas suas ações, assim fazem os fascistas que guiam a população ao terror para que enfraqueça o conjunto e possa abocanhar pequenas partes do todo. Assim também fazem os terroristas. Então, Grimmel, não é apenas um vilão icônico para os personagens, mas também ao público que vai assistir no cinema uma despretensão casual. Ainda que o filme não envergue a esta verve politizada, vemos que a construção não é por acaso.
E se a maior lição que a produtora dá ao cinema é a maturidade com o processo criativa e de despedida, Soluço nos mostra que não se combate ódio com ódio, afinal, não se reduz ao nível do inominável, apenas vamos à base, à raiz e permitimos que a seiva chegue ao topo como sempre deveria ter sido.