Uma fábula sem magia sobre o crescimento
Por Fabricio Duque
Durante o Festival do Rio 2017
Indicado da Itália a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2018, e exibido no Festival do Rio 2017, “Ciganos da Ciambra”, de Jonas Carpignano (depois da estreia em um longa-metragem, “Mediterranea”) chega agora aos cinemas. Sua narrativa busca imergir o espectador à trama (potencializada ao drama) pelo viés sensorial. A câmera corre junto do personagem, tornando-se parte integrante da própria história contada sobre seres humanos disfuncionais, que retroalimentam nervosismos, desgraças, tapas, “água com limão” e crianças que fumam.
“Ciganos da Ciambra”, mais uma produção de Rodrigo Teixeira (de “Me Chame Pelo Seu Nome”, “Indignação”), apresenta-se como um videoclipe, em seus cortes rápidos, nervosos e subjetivos. O filme mostra vidas limitadas e simples, fazendo com que cada um sobreviva com o que tem e o que consegue (como o “gato” da luz da cama). São existências perdidas, soltas, sem regras, sem deveres juvenis, sem direitos infantis, e vividas entre escolhas do “jeitinho”, da ilegalidade e do estar no caminho certo. Não há maniqueísmos, e sim necessidades.
Em uma pequena comunidade romani na Calábria, Pio Amato (o ator Pio Amato), de quatorze anos, está desesperado para crescer e se tornar um homem. Assim como seu irmão Cosimo (o ator Damiano Amato), ele bebe, fuma e é um dos poucos a se infiltrar facilmente entre as facções da região, os italianos locais, os refugiados africanos e seus companheiros ciganos. Certo dia, seu irmão desaparece, fazendo com que Pio assuma seu lugar. Com uma função tão importante nas mãos, ele deve encarar uma escolha muito complicada. “O que você fez?”, pergunta-se.
“Ciganos da Ciambra” é a típica fábula realista, que nos envolve nas trajetórias paupérrimas de indivíduos sociais. Cada um segue por recorrentes opções da “vida fácil”, não muito diferente das zonas de opressão econômica de nossas comunidades carentes. Uma única ação pode afetar todo o restante da família. É a teoria do Caos. Uma espreitada desengonçada e curiosa pode causar mortes e prisões. “Mais um na vida do crime”, lamenta-se.
Pio segue em suas pequenas tramoias sem nenhum traço moral. Aprende a ligar carros para roubá-los (só com o querer, quase infantil, de prazeres-esmolas, como ir ao mar). Sabe fugir e pensa rápido. A câmera roda e nós somos seus observadores próximos. Talvez por uma “revolta” com o próprio destino incerto e desesperançoso, eles resolvem “descansar” com pequenas alegrias, com barulhos, com gritos, com passionalidades, e aumentando os problemas. Dizem que são “pobres, loucos e bêbados como os africanos”.
“Ciganos da Ciambra” é sobre imigrantes, sobre “ciganos malditos” em guetos. Sobre os marginalizados pelo sociedade. Estão à margem. É sobre o meio em que vive. É seguir e admirar quem está próximo. É ter medo dos italianos. É buscar a ajuda da polícia. É um ciclo vicioso. Do crime que se espalha e cria gerações de “trombadinhas” sem ética, trocando a escola pelo “trabalho” e pelas “viagens” de trem (e suas malas de outros passageiros). “É melhor arrastas as correntes do que os amigos”, diz-se.
Tudo é roubado e revendido à moda de “Os Incompreendidos”, de François Truffaut. “Pensamos que estamos progredindo, mas estamos afundando”, resigna-se. Eles vêem oportunidades e encontram amizades no inesperado. Os nigerianos. “Somos nós contra o mundo”, revolta-se como um cavalo solitário sem perspectiva, sem futuro, “só o agora”.
“Ciganos da Ciambra” é sobre instantes contínuos que não dão tréguas. É sobre geografias comportamentais. De “cagar e mijar nas celas do Basil”. De “Italianos” africanos não respeitados. O roteiro coloca todos no mesmo barco como possíveis vítimas. Mas o filme estende a premissa e prolonga o conceito.
Assim, o ritmo é perdido por sempre retornar a mesma tecla. Pio cresce no meio desta tempestade. Sem conduções de certo e errado. Sente falta do conforto do meio. Vivencia outras possibilidades, outras formas de agir, passando por tipos de identidades sexuais e ou por apenas um carinho amigo. Nosso protagonista é bombardeado por múltiplas opções e precisa mensurar suas escolhas. Para toda sua vida.
Participou da seleção da Quinzaine des Réalizateurs do Festival de Cannes 2017, vencendo o prêmio Label Europa Cinemas.