Damas livres e soltas
Por Fabricio Duque
Quatro atrizes inglesas, veteranas e famosas não só no Reino Unido, e condecoradas (pelos Reis e Rainhas) com o título de Dame, uma estilização de honra das ordens de cavalaria (equivalente de “Sir” para homens), são convidadas por um diretor sul-africano, também internacionalmente conhecido, para “fofocar, lembrar e rir”. Eileen Atkins, Judi Dench, Joan Plowright e Maggie Smith aceitaram o convite para “deixar as câmeras entrarem” em suas intimidades. “Chá com as Damas” é uma espirituosa terapia entre elas, confessando limites e acontecimentos passados engraçados. São conversas sinceras e reflexivas a respeito de suas carreiras desenvolvidas, vidas pessoais e as influências de suas carreiras para a consolidação de uma amizade entre as quatro.
“Chá com as Damas”, traduzido do original “Nothing Like a Dame”, este que indica uma liberdade sem filtros para contar causos, opiniões, fatos com humor sarcástico (característica típica do povo inglês) e percepções sociais sobre ser mulher no cinema “rodeada” de homens. Sem pudores e com muitas risadas. A narrativa do realizador Roger Michell (que dirigiu “Um Lugar Chamado Nothing Hill”, “Uma Manhã Gloriosa”, “Blackbird”) conduz-se como um convite ao chá das cinco, uma tradição criada para unir e mitigar uma latente solidão.
As “extraordinárias” atrizes desnudam verdades, sem a preocupação de dizer o que lhe vêm à cabeça, tudo pela carreira já construída. Dame Eileen June Atkins (que atuou em “Os Vingadores”, “Gosford Park”, “As Horas”) tem oitenta e quatro anos. Dame Judith Olivia “Judi” Dench (dos novos “007 James Bond” – a “Bond Woman”, “Mrs. Henderson Apresenta”, “Victoria & Abdul”, “O Lar das Crianças Peculiares”, “Notas Sobre um Escândalo”) tem oitenta e quatro anos. Dame Joan Ann Plowright, Baronesa Olivier (de “Denis, o Pimentinha”, “O Último Grande Herói”, “A Letra Escarlate”, “O Jardim da Meia-noite”, “101 Dálmatas”) tem oitenta e nove anos. Margaret Natalie Smith (de “Hook – A volta do capitão Gancho”, da franquia “Harry Potter”, dos dois “Mudança de Hábito”, “A Senhora da Van”) tem oitenta e três anos. Todas mundialmente conhecidas e reconhecidas, com suas oito décadas e mais de sessenta anos dedicados à interpretação.
Não podemos negar que Roger Michell tinha uma responsabilidade do tamanho de um bonde e que precisava de toda expertise para equilibrar e “dançar” com as damas. Sim, com pulso forte e atitude, acerta o tom e faz com que o espectador embarque nas curiosidades vivenciadas por este quarteto. Em uma tarde de encontro, entre chás, champanhe, “quebra-cabeças” e momentos contados (ora constrangedores), sobre casamentos, inclusive, o longa-metragem humaniza o ser, desmistificando a futilidade midiática que envolve suas existências. Intercalando trechos antigos de cenas teatro, ensaios, bastidores e a nostalgia da “poesia” do criar.
“Chá com as Damas” busca ser uma peça de teatro da própria vida real, ainda que conjugue a indicativo tema de início de um espetáculo com as técnicas vocais. É o passado que assalto o presente, em lembranças. Não há confrontos e sim naturalidades sem julgamentos do que são e do que foram. Como a comparação-preferência: Laurence Olivier versus os críticos. Aqui há mais teatro que cinema. Mais a análise de suas interpretações. De suas dificuldades. Dos tapas não técnicas em cena. “Todos os dias são assustadores quando se faz um filme”, diz-se, com interferências diretas de Roger, que até recebe um “carinhoso” xingamento.
Ao simplificar ao máximo a estrutura, nós somos imersos em um amadorismo caseiro, de forma proposital a fim de criar uma atmosfera de pertencimento, de aproximação, de adentrar em um tempo pausado que o que se diz é infinitamente mais relevante que sua forma. Há um que de homenagem. Um que de documento libertário. Mas também soa como um epitáfio antecipado. Ainda em vida. Sobre vidas “legendárias”. Não, esta estética não incomoda, pelo contrário. O público delicia-se com a espontaneidade inerente de atrizes tão livres, soltas e que se distanciam de seus estágios “red carpet”. São pessoas comuns com um imenso background e um vasto e diferenciado currículo. E o filme consegue captar exatamente essa essência. De libertar o engessamento narrativo com um humor nato, de picardias cúmplices (ora “agressivos”), de riso solto. “Medo é patrulha, que gera uma energia, tornando-se assustador”, diz-se. Cuidar do cérebro com yoga e ser menos suscetíveis. O recado aos mais novos. E a diferença entre verdade e ilusão.