Auto de Resistência

Os bastidores de uma piada de mal gosto

Por Vitor Velloso


Existem filmes que o classificamos pela importância temática, mais que por sua excelência formal. Tratando de assuntos extremamente importantes para a sociedade, impondo um olhar novo sobre uma determinada situação. “Auto de Resistência” é um deles.

Sua proposta estética nada acrescenta para o campo do documentário, seu didatismo é usado como muleta, mas ainda assim, é um longa potente. Dirigido por Natasha Neri e Lula Carvalho, o filme busca tornar clara a violência cometida pela polícia do Rio de Janeiro. Para isso, faz um panorama geral de diversos casos recentes, onde civis comuns foram assassinados e massacrados. Abrindo com o caso “Costa Barros”, os diretores dão luz ao sofrimento das famílias, mostrando o depoimento de uma das mães, impedida de chegar ao carro onde seu filho agonizava até a morte, em uma tragédia que tirou a vida de cinco jovens com 111 disparos. Nenhum deles tinha ligação com o tráfico. Apenas comemoravam o primeiro emprego de um deles, Roberto.

A questão da violência dos homens de farda sempre foi um debate político acirrado. E sempre será. O documentário quer mostrar quem eram essas vítimas e seus familiares, e exigir uma explicação para tudo isso. Pois, a falta de consideração do Estado, para com essas respostas, é assustadora. No quesito: impacto, o filme consegue se sobressai, por sua falta de música, a dureza da imagem. Vemos o desenho do IML de cada um dos meninos mortos em Costa Barros, circulado onde eles foram alvejados.

Apenas em 2017 quase 1200 mortos pela violência no Rio de Janeiro, onde 98% dos casos são arquivados. A calamidade da segurança pública, afeta os tribunais. Vemos diversos julgamentos, explicitando a desgraça legislativa conduzida pela mediocridade alheia. Assistimos uma advogada, que está defendendo os policiais, dizer: “Porque os direitos-humanos só se preocupa com o preto, o pobre, o favelado”. E depois: “Olha o tamanho do alvo. É fácil de acertar”. Se referindo a um caso onde uma vítima saiu viva, com um tiro de fuzil no peito, a argumentação dela é que o disparo foi intencionalmente não-letal, buscando apenas a incapacitação do alvo. Nos levando a questionar a seriedade de suas palavras, pois os absurdos são tão grandes, que duvidamos da capacidade de um cérebro concluir tal coisa.

Ao vermos um policial justificar porque colocava uma arma na mão de um garoto morto à queima-roupa na favela do RJ, e havia provas, um vídeo gravado por uma morada, a resposta que nos é concedida, é esta: “A arma estava com problema, logo eu precisava evitar risco à segurança dos policiais, por isso coloquei na mão do indivíduo”. É inacreditável vermos como um ser-humano pode falhar em seu próprio ato de existência. Não se trata de ignorarmos o fator humano numa operação da polícia, é claro que erros podem acontecer, mas esses “erros” aos quais eles se referem, são unicamente, crimes.

Infelizmente, o documentário por vezes torna-se repetitivo demais, vemos as mesmas falas sendo ditas mais de três vezes, pois o filme recolheu o depoimento de uma mãe, filmou ela contar a história para um policial e mostra novamente em outra entrevista. Esses excessos de repetições, travam um pouco o ritmo ideológico do documentário.

Um policial que disparou contra um menino que levava sua namorada para casa. Atingido nas costas, por um indivíduo que havia sido julgado por levar cinco jovens para um terreno baldio executar três deles, mas dois conseguiram fugir. E é claro, ele foi absolvido. Ao vermos todas as vítimas, nos deparamos com algo que não nos surpreende mais, todos são negros. Então, não de forma oportuna escutamos: A carne mais barata do mercado, é a carne negra. Trata-se de um etnocídio em massa, que busca sua justificação através da política de combate ao tráfico.

É intenso vermos, uma mãe em prantos pela morte de seu filho. Causa aperto. Ainda mais, que o filme constrói argumentos e provas suficientes, para concluirmos que o Estado consegue proteger os assassinos. Mas a repetição intensa de discursos e os pequenos passos que se dá a partir destes casos vai frustrando o público.

3 Nota do Crítico 5 1

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