Curta Paranagua 2024

As Filhas do Fogo

Um filme que provoca emoções reais

Por Pedro Guedes


“As Filhas do Fogo” pode ser tudo, menos uma obra esquecível ou inócua. Produzido na Argentina e dirigido por Albertina Carri, o filme representa uma experiência que depende muito mais da atmosfera do que da narrativa em si, não exibindo qualquer tipo de ressalva ao mergulhar o público em uma jornada repleta de sequências de sexo graficamente explícitas. Assim, a ousadia do projeto certamente merece aplausos; em contrapartida, o resultado final não é particularmente impecável, já que o conteúdo mostrado pela cineasta é estabelecido de maneira apressada e ainda começa a soar redundante depois de um tempo.

Roteirizado por Carri e por Analía Couceyro, “As Filhas do Fogo” começa apresentando o espectador a um casal de mulheres que se reencontram após um hiato. Enquanto estão retomando o relacionamento, uma delas decide realizar um filme pornô, chamando um número cada vez maior de mulheres para participar da produção (amadora). A partir daí, o longa passa a se concentrar na viagem que as protagonistas farão ao redor do país, parando para filmar as sequências de sexo em várias locações diferentes – e de várias maneiras diferentes, vale apontar. Claro que, no fim, o prazer em si acaba levando as personagens a se descobrirem como seres humanos mais fortes e capazes do que a sociedade tende a imaginar, amadurecendo a forma como convivem e lidam com a misoginia ao redor delas.

O primeiro elemento que chama a atenção em “As Filhas do Fogo” é a atmosfera que Albertina Carri consegue estabelecer para a narrativa: sem sentir a necessidade de construir uma história com começo, meio e fim (embora os três existam, só que de maneira mais sutil), a cineasta constrói sequências longas que impressionam através do nível de realismo que está incutido nelas. Além disso, Carri demonstra uma habilidade notável ao flertar com gêneros diferentes sem sacrificar a premissa inicial do projeto, resultando em uma obra que funciona como drama, estudo de personagem, road movie e relato social/cultural, mas sem nunca perder sua essência crua, íntima e verdadeira. Assim, o longa se define como um exercício de estilo admirável e cuidadoso em seus aspectos formais.

Mas é impossível discutir “As Filhas do Fogo” sem falar sobre… o sexo, tão presente em diversos pontos da narrativa – e, neste sentido, o filme atinge um grau de veracidade que o torna particularmente memorável, já que Carri não se vê forçada a enfocar tais relações de maneira glamourosa. A câmera se mantém sempre tremida e próxima aos corpos das personagens, extraindo os detalhes mais íntimos de cada atuação presente no elenco e priorizando mais os sentimentos (ou o prazer, na plena acepção da palavra) do que o fetiche em si. Da mesma forma, as atrizes não se enquadram necessariamente em quaisquer padrões de beleza, o que faz as sequências de sexo soarem ainda mais verdadeiras, inclusivas e até mesmo humanas.

Por outro lado, chega um ponto em que o roteiro e a direção começam a exagerar na frequência e na duração destas cenas, o que leva o espectador a se sentir cansado depois de tantas sequências similares – e chega um momento em que a obra se torna repetitiva em termos de conteúdo, pois o sexo predomina a maior parte da narrativa sem renovar seu significado. Como se não bastasse, este excesso ainda acaba comprometendo o espaço que a obra terá para se dedicar ao desenvolvimento de certas relações entre as personagens, que passam a cair de paraquedas no meio da história e resolvem seus conflitos particulares de forma excessivamente rápida, sem permitir que o público enxergue arcos muito complexos ou bem definidos.

Pecando também ao alongar-se além do ideal, chegando perto das duas horas de duração sem que estas fossem totalmente necessárias, “As Filhas do Fogo” ainda assim funciona como uma experiência que, mesmo falha e cansativa, provoca impressões fortes no espectador. E, para completar, Albertina Carri encerra a projeção com um plano-sequência que deve durar uns 15 minutos e que acompanha uma ação gigantesca, mas que termina de forma íntima e particular.

Trata-se, portanto, de um desfecho que faz mais do que jus à atmosfera, aos temas e às sensações que o filme havia despertado ao longo de toda a sua construção pregressa. Ou seja: põe um ponto final apropriado à jornada que se desenrolou até então.

3 Nota do Crítico 5 1

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