Açúcar Demais Neste Doce
Por Fabricio Duque
É quase impossível listar as causas que levaram “American Honey”, da diretora inglesa Andrea Arnold (de “Aquário – Fish Tank”), ao limbo. O filme, que concorreu na mostra competitiva do Festival de Cannes de 2016, e que é um dos indicados aos prêmios principais em seis categorias (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz para Sasha Lane, Melhor Ator Coadjuvante para Shia LaBeouf, Melhor Atriz Coadjuvante para Riley Keough, Melhor Fotografia) do Spirit Awards 2017, o “Oscar dos independentes”, não teve distribuição nos cinemas e já chegou a Netflix como “Docinho da América” (Sério! Quem cria esses títulos “fofos palatáveis” e comerciais?).
Talvez seja por sua duração de quase três horas (cento e sessenta e três minutos para ser exato) e ou pela indefinição de gênero (que se conduz por um Road-movie à moda crescida de “Kids”, de Larry Clark e de “O Outro Lado”, de Roberto Minervini) e ou pela presença do mais novo “odiado” Shia LaBeouf (de “Transformers” e “Ninfomaníaca” – que “surtou” com o intuito de promover suas instalações performáticas neo-vanguardistas e criou uma plataforma de protestos contra Donald Trump).
Não se sabe ao certo. Talvez pela narrativa que busca polemizar por uma naturalidade editada a fim de expor uma crítica acirrada aos jovens americanos contemporâneos, que cada vez estão mais perdidos, sem perspectiva e alienados por um “circo midiático” hostil que valoriza bem mais a futilidade líquida das relações comportamentais que a humanidade intrínseca do querer-dom de seus indivíduos sociais, que por sua vez precisam estimular os “jeitinhos”, quase brasileiros, para continuar com a sobrevivência diária massificada.
Star (Sasha Lane), uma adolescente que busca viver aventuras, decide se juntar a um caixeiro viajante e cruzar o território do meio-oeste dos Estados Unidos vendendo assinaturas de revistas. No meio da viagem, ela entra em uma loucura de festas, crimes e amores junto com um grupo de desajustados.
Eles são os novos rebeldes. Esqueletos. Deslocados do sistema que só prioriza os vencedores. Errantes, à margem, como aqueles que existem com uma nota baixa (parecendo que estão no episódio “Nosedive” da série televisiva “Black Mirror”) de aprovação metafórica-existencialista pelo outro). Uma nova versão de “Juventude Transviada”, de Nicolas Ray, só que com uma causa deturpada: não estão para sonhar palavras, tédios, ócios, conhecimento, utopias, e sim pelo dinheiro, seguindo a máxima de “viver o sonho do estilo de vida da América”, slogan propagandeado com o complemento de que “Tudo é possível. Nós podemos!”. Rodam os Estados Unidos e se sentem livres como um “Superman”.
A diretora potencializa essa segregação classista social (de seres humanos egoístas em estágio cônico-terminal em uma ambiência hipócrita) quando inicia o longa-metragem com uma tela quadrada (como uma fotografia Polaroid antiga de nostalgia revisitada) mostrando fragmentos-detalhes naturalistas de uma família procurando comida no lixo; um carro com “Deus está vindo”, mas não ajuda ao próximo com uma carona; uma calça à moda de Donald Trump (agora Presidente dos Estados Unidos – talvez esta possa ser mais uma das causas que já foram listadas anteriormente). Quer dissecar com a câmera “mosca” a vida dos economicamente despreparados. É a radiografia de uma vida de classe baixa, que faz de tudo para se “manter” dignamente (leia-se pelas regras da mídia dominante e pelo nacionalismo exacerbado – outro tópico radicalizado no discurso de posse de Trump).
Precisamos mesmo parar um instante, digressionar e falar sobre Shia Saide LaBeouf. Em cada trabalho, o ator norte-americano “consagra-se” por suas “bizarras” performances; e ao mitigar o limite entre vida pessoal e profissional (normalidade versus oportunismo versus uma pseudo esquizofrenia) consegue o dinheiro e a fama (ainda que com status de “louca”) que necessita para realizar seus projetos. Foi assim no Festival de Berlim com um saco na cabeça (“Não sou mais famoso”), foi assim em suas apresentações teatrais, foi assim em “Ninfomaníaca”, de Lars von Trier (seguindo os passos do qualitativo-excêntrico cineasta dinamarquês), foi assim em sua intensidade incontrolável e quase não acompanhada por seu público. Porém, é inegável e incontestável: seus surtos o colocaram no rol dos atores-artistas mais conhecidos (e quem diria que tudo isso após a franquia hollywoodiana-comercial “Transformers”). Em 2016, de volta ao Festival de Cannes, ele explicou, que tudo que fez foi para “American Honey”. Sim. É assim: ame ou odeie, LaBeouf mesmo com adjetivos de “prepotente”, “pretensioso” e “louco”, é o “cara” do momento. Aqui, o ator encarna literalmente seu papel, sem medo de perder os limites tênues entre ficção e realidade. Está mais ainda louco, “um perfeito idiota” (como na musica de Green Day “American Idiot” – exatamente como seu personagem precisa ser para existir dentro da tela grande).
“American Honey” é uma sucessão de micro-ações-videoclipes continuadas em estrutura elipse (de cortes rápidos – quase uma “homenagem” a Terence Malick e “Árvore da Vida”), ora desengonçadas, sem ritmo, dispersas. A linguagem tenta o coloquialismo com suas picardias sexuais desbocadas. Pretende a estética de “Elefante”, de Gus van Sant, porém, o que o espectador recebe é uma clichê tentativa da espontaneidade destes “novos hippies” sem rumo, seu “esquilo de estimação” e sua “filosofia pseudo-profunda e “perspicaz” de “Star Wars” sobre a escuridão de Darth Vader”.
Aqui, de ensaio caseiro por ângulos preguiçosos de câmera, é sobre vazio deles, sobre a falta incompreendida, sobre suprir carências desconexas com outras carências, sobre a idiotização de um povo, sobre a sexualização precoce de crianças, sobre o comportamento defensivo para com os “vendedores natos desenvoltos e improvisados”, sobre aqueles drogados com “o diabo no corpo”, com teor sexual, e que ouvem Hip Hop. É sobre sonhos. “Ele mente, ela é humana”.
Tudo é aparentemente artificial sem propósito, com gatilhos comuns que manipulam a trama. Com músicas de Lana del Rey, country texano e Dead Kennedys, “American Honey” enrola-se mais do que conta, estabilizando-se na contemplação observadora da imagem que excede o elemento temporal permitido – gerando a bobice inocente e ingênua, no comum e na mensagem repetitiva de querer “ser independentemente Cult” por ser longo. A opinião no Festival de Cannes, entre os críticos presentes, foi que este longa-metragem não é ruim, mas daria um excelente curta-metragem.