Pelo amor de Deus, que não “invistamos em minérios”
Por Gabriel Silveira
Se estivéssemos em outros tempos, usufruiria deste meu espaço no Vertentes para projetar todas as minhas leituras possíveis da forma deste filme, da potencialidade de seu discurso e sua posição como instrumento político, mas, hoje os tempos são outros. Não muito diferente do que já vimos, não parece nem mesmo o rolê de um primo distante que vêm pra cá fazer uma baderna, está mais para um filho ou irmão mais novo daquele síndico fascistóide de nosso prédio que tentou envenenar todas as minorias do prédio com a sabotagem de seus próprios bujões de cozinha e acabou sendo expulso da política predial (não chegou a ser denunciado e preso não, só expulso do prédio mesmo) e agora, suas crias estão vindo com seu enorme bonde de moradores fascistas enrustidos para tomar a direção deste prédio na mão, no soco, na pedra, na faca e no tiro. Não sei se o leitor percebeu, mas, já tinha desistido de estruturar essa metáfora no meio do caminho, a questão é que — é isso aí mesmo — todo mundo sabe da situação em que estamos e se o fantasma do Macunaíma da esperança democrática não nos salvar estaremos mesmo danados. Mas, é curioso como todos nos preocupamos infinitamente com políticas assassinas que parecem nos atacar de uma maneira mais imediatista, são verdadeiramente o fim do mundo, mas, às vezes parecemos nos esquecer de outro grande argumento que traria o discurso da cria de Benito Mussolini por terra, e é esse que Amanhã Chegou nos trás.
É muito fácil tentar entregar-se a derrota e afirmar e perguntar “O eleitor do capiroto não se mobiliza nem mesmo com o assassinato de Moa do Katendê que foi dilacerado por doze facadas nas costas partidas das mãos de um eleitor do palhaço que entrou num excesso de fúria porque o mestre capoeirista proclamava seu voto em defesa da democracia. Como você quer que eu acredite que um ser humano que encontra-se nesta parte do espectro de nossa política dará um pingo de valor ao discurso em prol de nossas terras e a sustentabilidade de nosso futuro nacional e planetário?” Bom, eu não boto fé alguma de que um dos integrantes da massa de manobra mais podre deste eleitorado — que não tem a capacidade de questionar qualquer tipo de notícia falsa e está estragado ao ponto de realmente defender as atitudes comunitárias assassinas de seus camaradas bolsonaristas — dará seu braço a torcer por qualquer argumento. Este indivíduo está, provavelmente, corrompido à um ponto sem retorno, o melhor que se têm a fazer é tentar ser pedagógico pela lei do menor esforço: dê a lição uma vez, se a ficha não cair um pouco mais tarde na cabeça desta criatura “Agô e bença” pra ele. É pela pedagogia que acredito que temos qualquer chance de salvar aqueles que parecem ser nossos algozes eternos.
E assistir “Amanhã Chegou” nos cinemas é provavelmente um dos remédios mais suaves e efetivos que poderiam ser receitados a nossa nação no momento. Vá ao cinema e pague o ingresso para assistir o filme uma vez, se as pérolas de sabedoria de cada um dos especialistas e envolvidos na luta pela preservação de nossa terra e nosso futuro, reunidas pela direção de Renata Simões, não encantar o espectador com suas possíveis epifanias, este, provavelmente, não terá o desejo de retornar à sala para fazer uma segunda leitura de todos aqueles discursos iluminadores, então, o que temos à fazer é ter uma pequena esperança nessa semente de educação que pode vir a florescer no companheiro. Mesmo que este continue vivendo por meio de muita toxinas, alguns fatos poderão começar a fazer sentido aos poucos.
O filme faz uso da própria linguagem de discurso de merchandising que tenta desmontar para, justamente, ter acesso a este público alvo de uma maneira anti-subversiva (acaba se afogando nesta tática e acaba quase caindo na fachada de um programa da Vice ou da Vox de uma hora de duração viciado demais em imitar gruas com drones), indo de cara a favor do menor denominador comum, sem tomar qualquer tipo de sentença que possa anexá-lo a algum movimento partidário, trazendo apenas em alto e bom som o fato de que entre agosto de 2015 e julho de 2016, a Amazônia perdeu 7.989 km² (equivalente a 1,14 milhão de campos de futebol), um aumento de cerca de 30% em relação ao ano anterior. O Brasil é o segundo país que mais mata ambientalistas, e eu sei que quem não tá nem aí para a terra em que vive não vai ligar para quase nada deste texto, mas, acredito que seja uma boa ouvir da boca de Eliane Brum a síntese do porque “a conta vai cair no bolso dos pobres” e “todos nós teremos que perder” caso uma das propostas de governo de um certo candidato seja simplesmente “investir em minérios” e nada mais.