Nada Além e Sem Sentido
Por Fabricio Duque
“Além do Homem” é um daqueles filmes-viagem que se torna indecifrável em um primeiro momento. Logo pós assisti-lo, nossas percepções atingem um nível de desconhecer nossas próprias emoções. Dirigido por Willy Biondani, o longa-metragem transpassa ser sobre a transcendência do homem. Um mergulho transmutado. Uma psicodélica regurgitofagia. Sim, é uma obra sem sentido com liberdade poética demais. Com conceito metafórico-existencial demasiado. Comporta-se como um ingênuo ensaio antes da apresentação final que quer a espontaneidade, mas que encontra apenas a encenação.
É um teatro road-movie. De Paris e sua Torre Eiffel ao interior do Brasil. De descobertas. De aceitações. De sincronizar sincretismos. De permissão à idiossincrática, pluralista e excêntrica presença do outro próximo e intransitivo direto. De esquecer da própria individualidade incompatível a mudanças para adentrar na simplicidade da essência da vida pela naturalidade, pelo encontro com a ancestralidade no âmago do despertar.
“Além do Homem” é uma alegoria teatralizada, de micro-ações, interpretações e reações anti-naturalistas, destrambelhadas, desengonçadas, palatáveis, forçadas e de humor indicador a uma cumplicidade média, em uma filosofia popular, de piadas moduladas a teores sexuais.
É também uma aventura metafísica, de ambiência etérea e de delírio “gostoso”, principalmente por sua fotografia Kitsch Almodóvar (de qualidade inquestionável de Walter Carvalho), vívida e lúdica, que conduz a uma “devoração da felicidade” e a uma nostalgia atemporal de um presente cotidiano intransponível (um portal somente àqueles que possuem a chave à epifania psicodélica e cosmicamente transcendental).
Alberto Luppo (o ator Sergio Guizé, de “Mulheres Alteradas”) é um escritor brasileiro que mora em Paris há anos e desde então renega suas raízes tropicais. Quando um famoso antropólogo francês desaparece na cidade de Milho Verde, Minas Gerais, ele volta para sua terra natal e inicia uma investigação para descobrir o paradeiro do velho amigo. No entanto, durante a viagem, ele se encanta pela cultura brasileira, assim como suas terras e sua gente, algo até então impossível para ele.
“Além do Homem” é uma “topografia inquietante” que fala francês e que busca um distanciamento na imersão do espectador à trama, sugerindo assim um pé absurdo em Ariano Suassuna e local humano em Jorge Amado (“só faltando um toque brasileiro”). É também uma “mitologia pobre sobre o Brasil”. É sobre a fé de reacreditar na esperança. Na perspectiva de dias melhores. É uma fábula realista-fantástico de um povo alienado nas próprias crenças.
É a verdadeira viagem à uma inocência perdida e infantilizada. “Vida é igual à rapadura: é doce, mas não é mole não”, diz caricatas expressões já conhecidas. Há um que de filme francês, como por exemplo, “O Homem do Rio”, de Philippe de Broca, quando o surreal, inimaginável e ininteligível são sobrepostos ao real objetivo cênico do roteiro. “Tem buraco para todo tipo de pau”, “ensina-se”.
Como todo filme é uma obra subjetiva, a experiência que fica (com uma leve inferência a “Rei”, de Niles Atallah) é a de há uma linha tênue entre ingenuidade e pretensão, entre fragilidade e força, entre entrega e hesitação, entre resignação e resiliência, entre o puritano e a nudez genuína. O caminho é irregular, tentando em vão juntar pontas soltas e peças desaparecidas de um quebra-cabeças. É uma ida da confortável e desinteressante realidade a uma excêntrica autopsia de um oásis “Eldorado” que não se espera encontrar. É uma inversão geográfica, uma suspensão do tempo, uma egocêntrica Ayahuasca. O espectador não vislumbra nada além do homem. Só o sem sentido.
Na exibição do filme, pré-estreia que ocorreu no Kinoplex do Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, nós percebemos uma equipe apaixonada e passional (“com muito amor mesmo”). Talvez esta seja a resposta que buscamos para traduzir e adjetivá-lo da forma mais correta e condizente. A atriz Débora Nascimento disse que este filme foi muito importante porque a transformou como mulher e consequentemente como artista. O ator Fabrício Boliveira disse que é “um filme que propõe reconexão consigo próprio, com o outro, a descoberta e o interesse pelo novo”.
O diretor disse que o filme (“um projeto tão original – vamos dizer assim”) foi feito com muita dedicação e que “descobriu nesse percurso todo do filme que ingredientes como fé, generosidade e perseverança é o que faz o cinema deste país”. “Esse filme nasceu um pouco da reflexão sobre a identidade brasileira, e eu descobri algo de feminino que temos dentro de nós, que se traduz no afeto, e é algo que a gente tem perdido com o passar do tempo. Talvez este seja o maior talento deste país e devemos repensar a capacidade e o poder de nossa afetividade”, complementa.