Uma andorinha, neste caso, fez verão!
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2017
O diretor francês Laurent Cantet (de “Entre os Muros da Escola”, “Recursos Humanos”) possui uma característica marcante que permeia todos os seus filmes, que é transpor a condução da própria trama, desencadeando camadas psicológicas que abordam universo literário integrado à contemporaneidade estudantil; um comportamento incompatível, quase politicamente incorreto, aos olhos da sociedade, pelos polêmicos discursos-argumentos permitidos e estudados; uma liberdade na construção individualizada da política internacional, tudo mesclado com respeito, tolerância, importância, questionamento, ensinamento e literatura.
Em “A Trama”, exibido na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2017, não poderia ser diferente. Transcende-se a barreira dos muros, libertando sua professora e seus alunos com a possibilidade infinita e incondicional da criação de um romance “thriller” em um workshop, um ateliê de ideias, sugestões, aventuras, imaginações, possibilidades, expansões.
A trama acadêmica encontra vida na trama ficcional, que por sua vez interage com o próprio público (com a presença da câmera subjetiva), nós, embarcando todos em novos suspenses e nas descobertas de violentos desejos psicopatas, de confissões extremistas religiosas, de eugenia da francofonia contra a “ameaça da miscigenação crescente”, de desejos carnais impossíveis, de jogos-flertes e da pluralidade identitária.
É verão em La Ciotat, na França. Antoine (Matthieu Lucci) aceita participar de uma integradora oficina de escrita, onde alguns jovens deverão desenvolver um romance policial sob a tutoria de Olivia Dejazet (Marina Foïs), famosa romancista. Agressivo e provocador, ele apresenta um polêmico texto e logo passa a ser odiado pelo diverso grupo, ao mesmo tempo em que é apoiado pela intrigada professora.
“A Trama” é sobre se arriscar, perder o medo dos limites. É sobre como os jovens arquitetam pensamentos na atualidade. É sobre a constante vigilância para não dizer nada ofensivo. É atravessar os muros da obviedade. De dizer o que quiserem com as palavras. De escrever sobre assassinatos. Sem nenhuma censura aos moldes do seriado “How To Get Away With Murder” e de uma atmosfera que condensa Alfred Hitchcock com François Ozon.
“Romance é ficção. Não podemos escrever em isolamento ou nos olhando no espelho”, diz-se. O longa-metragem disseca, com verdades permitidas, utilizadas na literatura, o racismo que precisou ser adormecido e mitigado da fala das pessoas. Mas ainda existe. O que “A Trama” faz é colocar para fora essa hipocrisia com desejo “assustado” pelas conversas naturalistas captadas por uma câmera mosca.
O longa-metragem é sobre a cidade, sobre a xenofobia, sobre a pretensão de que um é melhor do que outro por ter nascido francês. As histórias são desenvolvidas no local da criação, alteradas pelo meio, pelas vivências de suas vidas, pelas angústias, pelas falso-liberdades, pelas agressivas defensivas. Tudo é trabalhado. O tédio, o tempo que nunca passa, a dúvida motivacional, imagens da guerra, o videogame para “defender seus valores”, os exercícios físicos, o obsessão “encantada” por quem fornece cuidado, escrever (e descrever) personagens, o objetivo não alcançado (“não é a Copa do Mundo”), o pensamento europeu (de “trinta e cinco mil anos atrás”), as memórias.
Tudo é observado para ser aprofundado com “cérebros fritados”. “Escrever é como balançar você mesmo”. E por que não usar a “ficção para denunciar”? Histórias precisam ser criadas com detalhes realistas, quase pessoais (festas, rock hip-hop francês) e não “comparadas a Scarface”. Antoine entrega-se ao que escreve, causando inveja dos colegas, rebatendo com insultos. “Você precisa argumentar sem explodir”, ensina sobre o “poder da arte”.
“A Trama” é sobre ensinar com argumentação racional-humanizada com fatos, não com violência “non-stop”, a uma juventude livre, viva, brutal. É o transformar “Ao Mestre com Carinho”. A professora coloca realmente em prática sua profissão. Interessa-se pelos alunos. Procura no facebook, aceita as provocações, bate na tecla do “estar pronto para se comunicar”, de justificar a agressividade do outro por problemas pessoais (que é acalmada por mergulhos na água). Concluindo, é um filme que traça uma radiografia dos problemas político-sociais atuais por um específico estudo de caso de um estudante perdido que consegue se transformar pela persistência incondicional obstinada de uma professora. Uma andorinha, neste caso, fez verão!
“Tudo começou em 1999, em uma revista cultural televisiva, que meu co-roteirista Robin Campillo (de “120 Batimentos por Minuto”), trabalhou. O segmento era sobre um novelista inglês que conduz um workshop de escrita em La Ciotat, no sul da França. O workshop, oferecido pela comunidade, era uma oportunidade para dezenas de jovens de colaborar em um romance que aconteceria na cidade. Nós começamos a pensar no filme. Jovens no programa falaram sobre suas relações com a cidade, com a cultura de classe. Eles sentiram como se fossem guardiães desta herança, que era precisamente o tema do romance que estavam escrevendo. Dezessete anos depois, eu retornei com a intuição de abordar com os jovens de hoje. O filme traduz-se como uma testemunha de toda essa transformação radical da sociedade. O que os jovens do workshop estão dizendo é que eles recusam a carregar um passado que não é deles. Hoje eles são confrontados com uma lista grande de problemas: encontrar seu lugar no mundo; sentimento de que eles não têm nenhum controle sobre as coisas; e também o de estar face a face com uma tempestade violenta social, angustiante e com questões políticas, como uma insegurança financeira, terrorismo e o aumento da extrema direita. Considero que este é o meu filme mais otimista, porque procura uma solução. No final, todos os personagens saem transformados da experiência, inclusive a Olivia, que não só transmite conhecimento, mas também interage. Há um intercâmbio entre ela e os outros. ”, disse o diretor Laurent Cantet na coletiva do Festival de Cannes 2017.