Muitas imensidões vislumbradas
Por Fabricio Duque
Há uma crescente tendência observada na atual cinematografia francesa, que é romancear tramas e histórias por uma obviedade ululante, simplificando ao máximo todo e qualquer elemento mais complexo, estruturando um filme como uma obra-novela, cuja característica inerente é definida pelo interpretativo tom superficial, de preterir forma ao aprofundamento do conteúdo, e pelas ações-reações mais palatáveis, que buscam semelhanças e padrões com a estética Hollywoodiana.
“A Odisseia”, do diretor Jérôme Salle (de “Zulu”, que encerrou o Festival de Cannes 2016), é um desses exemplos, conduzindo-se pela praticidade de uma zona de conforto, com honestidade em acreditar e respeitar, de forma despretensiosa, o exato e real lugar que pertence, sem esperar demais e sem impor egolatrias, ainda que pulule previsibilidades e conectivos gatilhos comuns.
Outra questão desta nivelação é o próprio gênero escolhido. Uma cinebiografia sempre peca por precisar transpassar uma grande quantidade de informações pessoais sobre o homenageado, que, na maioria das vezes, é suavizado nos conflitos idiossincráticos com sentimentais afagos de positivos e relevados argumentos, configurando menos aprofundamento dramático das interpretações e mais um lúdico entretenimento visual de encanto por suas majestosas tomadas aéreas e pela contemplação das belezas naturais (verdadeiras poesias imagéticas), à moda da National Geographic.
“A Odisseia” é, acima de tudo, uma obra de auto-ajuda ambiental, que objetiva um alerta às gerações atuais sobre as destruições de nosso Planeta (e, especificamente, seus poluídos oceanos). É sobre início, vida, jornada, família e ambições do aventureiro oceânico e cineasta francês Jacques-Yves Cousteau (que com “O Mundo do Silêncio””, co-direção de Louis Malle, venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes 1956).
Jacques-Yves Cousteau (o ator Lambert Wilson) embarca em uma grande viagem com sua família na embarcação Calypso. Com o passar dos anos, no entanto, seu amor pelo mundo submerso – e suas possibilidades de negócios – relega a segundo plano a mulher “psicopata, misógina e ciumenta” (a atriz Audrey Tautou) e os filhos. Quando cresce, Phillippe (Pierre Niney) volta a bordo apesar da péssima relação com o pai e os dois precisam superar todas as diferenças e mágoas para sobreviver em alto-mar. É o eterno embate entre capitalismo e utopia. Destruidores da natureza e ambientalistas.
É um filme odisseia, de aventura épica, de conto-de-fadas realista, que se desenvolve pelo linear elemento temporal (e pelas digressões que montam peças soltas da história) e que busca referência no livro “Vinte Mil Léguas Submarinas”, de Júlio Verne, que escreveu em 1870, mesclando “A Imensidão Azul”, do diretor francês Luc Besson, com os filmes do próprio Jacques e seu filho Phillippe.
Um dos pontos altos de “A Odisseia” é enxergar beleza até em “graxa de carro”, querendo traduzir uma comparação de épocas. Da mais inocente, ingênua, silenciosa e simples era passada à apressada modificação do progresso tecnológico, que não “respeita” nada e ninguém, destruindo a natureza para colher oportunistas e individualistas frutos. É trazer o sentimentos mais básicos e primitivos da alma humana, como o recomeço, redenção, o amor, o perdão e os filmes exibidos no projetor caseiro. É recuperar os mergulhos com a feliz família para “observar a vida marinha” simples e pura. É estreitar a distância. É a cura pela utopia. É “conquistar o mar” e a televisão americana.
É a desestruturação do simbolismo do aventureiro. Que antes desbravava e explorava lugares inóspitos, e que agora é o culpado por colocar em holofotes o que deveria ser deixado intocado. Jacques-Yves Cousteau é descrito como um egoísta, mercenário e radical explorador com uma irresistível “lábia”, de piadas debochadas (quase um Steve Jobs do mar), um romântico por robótica, que fez do “impossível, possível”. Que transformou sonhos em ações com suas ideias para frente. Que antes voava, agora mergulhava. Com o “Guiness”, ajudando a perfurar off-shore poços de petróleo com seu barco “Calypso”. “Na água, você não tem peso nenhum”, diz-se procurando “olhar o mundo”, “espaços inalcançáveis” e “loucuras Aqualung” encorajadas.
“A Odisseia”, com câmera que ora é personagem (subjetiva), ora livre subaquática, ora com uma tentativa mais à epifania existencialista, conjugada com uma fotografia solar, de corpos brilhosos, bronzeados e suados dos raios no mar do Mediterrâneo, com um que de organicidade editada pela ágil montagem, tem estilo de “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore, pela estética sonhadora de captar uma atmosfera mágica e realista, porém, aqui, como já foi dito, a emoção dá lugar a uma sentimental teatralidade ficcional.
O filme segue pela artificialidade. Com suas ações forçadas, suas músicas imponentes, sentimentais e de emoções manipuladoras que completam todo o tempo sem permitir silêncios. Caminhando-se assim pelo limite tênue da estética sensorial (de seu início que contempla o tempo real e suas micro-ações) versus o direto entretenimento (da produção em massa workaholic de sempre almejar o mais longe do horizonte).
Tudo é perfeito. Tudo dá certo. Praticamente não há conflitos para o “capitão planeta” Jacques-Yves Cousteau. “A Odisseia” é também ingênuo em sua construção como cinema, com seus infantilizados conflitos, reviravoltas solidárias (“combustível de graça” da “bela viagem” dos novos “marinheiros” de boina vermelha), lembranças guardadas (como o óculos de mergulho), as soltas traições, tubarões adestrados, informações que são explicadas minuciosamente ao público, o politicamente correto do ativismo ambiental com a música “California Dreamin’”, de The Mamas & the Papas, o mundo sem peixes, a perda e a volta por cima. Concluindo, uma condução arquitetada por uma palatável zona de conforto, que se protege na padronização e se estabiliza no mediano.