Nós também esperamos
Por Fabricio Duque
Uma das características marcantes do cinema francês é fazer cm que o espectador seja imerso na intimidade cotidiana de pessoas comuns. É humanizar história com suas plurais moralidades, idiossincrasias e escolhas particulares. “Nossa Espera” é uma fábula do mundo moderno. Uma metáfora filosófica de terapia cognitiva. É uma viagem à readaptação, que aceita a condição real do drama imposto pelo acaso e pela potencialização das subjetividades individualistas dos outros próximos.
Neste caso, um ser do núcleo familiar que “desiste” pela incompatibilidade de ser responsável, subvertendo os valores tradicionais de uma sociedade patriarcal, diferente de “Roma”, de Afonso Cuarón, por exemplo, que os padrões permanecem intactos. “Nossa Espera” conduz-se por uma estrutura narrativa ecoada do universo dos Irmãos Dardenne, em que o foco é no desenvolvimento dos efeitos das vidas dos proletariados. É uma vida simples, limitada, e que sofre com o fantasma rondando do desemprego. De empregadores das indústrias que reinam absolutos em suas decisões sagradas.
A teoria do Caos nos ensina que uma mínima ação pode redefinir e afetar todo o curso dos caminhos. Mas também que nada se constrói no equilíbrio. Então, seguindo essa premissa, o filme, de forma sádica e sistemática, coloca seus personagens em uma terapia de choque. De mudança. De se reconectar e redescobrir importâncias que no presente encontram-se no automático. Há males que vêm para o bem. Essa “tragédia” ajuda a união da família. Contudo, toda essa análise existencialista é desenhada frágil demais. Urgente demais.
Em um roteiro ingenuamente perdido com tantas pontas soltas e elipses, estas que distanciam ainda mais o público pela atmosfera anti-naturalista artificial dos diálogos e reações. Assim, o longa-metragem, dirigido por Guillaume Senez (do drama “9 Meses”), e protagonizado por Romain Duris (eternizado em “Albergue Espanhol”) embarca em inocentes gatilhos comuns para em vão tentar criar uma afinidade com os que estão do outro lado da tela grande.
Olivier (Romain Duris) é o politizado funcionário de uma fábrica, onde volta e meia bate de frente com seus superiores para defender os colegas de trabalho. Um dia, ele é surpreendido com o súbito desaparecimento de sua esposa, Laura (Lucie Debay). Sem saber o que aconteceu nem para onde ela foi, Olivier precisa conciliar o trabalho com a criação de seus dois filhos, Elliot (Basile Grunberger) e Rose (Lena Girard Voss), entre outros dramas paralelos.
“Nossa Espera” parece teatro em suas micro-ações-reações encenadas (que força a naturalidade, a definindo artificial), inclusive em seu preâmbulo que apresenta em plano aberto a Mise en scène. Mas é um filme. Um drama sobre trabalhadores perdidos nas mãos de seus empregadores. Os medos são agressivamente estimulados. O principal é a perda do labore que sustenta, protege e separa o pobre do miserável. Todos lutam para continuar (e ser agraciados com a renovação), semelhante a “A Fábrica de Nada”, de Pedro Pinho.
O longa-metragem adentra mais e mais nas entranhas rachadas desta família em análise. Trabalhar não sobra tempo para nada. O filho, sobrevivente de queimaduras, precisa ajudar sua irmã menor. Quanto mais se corre atrás, mais a pressão afoga, fazendo todos perderem os fôlegos e sair para “descansar” e “tirar um tempo para pensar”. A irmã, o núcleo humorado, fornece perspicácia espirituosa e diz o que o público fica remoendo o filme todo: “Foi por causa dessas crianças chatas, mimadas, teimosas e impossíveis que sua mulher desapareceu”. Sim, esta é uma crítica ao “novo” comportamento de pais perante seus filhos: a da liberdade excessiva sem limites e da alimentação problemática de aumentar os dramas.
“Nossa Espera”, título traduzido de “Nos batailles”, é direto, urgente. “Democracia é uma porcaria”, diz-se tentando criar uma cumplicidade com o público que não acontece. Como a vendedora que desmaia pelo choro da cliente. Como o gorro de Natal para se proteger do frio fora da época natalina. Há uma ingenuidade pretensiosa em construir o filme. Uma inocência frágil. “Cereais só no café da manhã? Onde está escrito isso?”, entre sentimentalismos emocionais e culpas latentes. A forma como o roteiro conduz as saídas, perdidas, desencontradas, hesitantes, puritanas e politicamente corretas, nos atiça a ideia de uma improvisação de tentativas e erros de uma sucessão de instantes sem critérios.
Até que o caos tem algo de produtivo e positivo. As crianças precisam crescer e se comportar mais como adultos. Eles recebem as ordens, contudo o filme continua meloso e com zoações infantis. A espera desencadeia batalhas nossas de cada dia. Com um ou outro momento salvador, “Nossa Espera” não emplaca e não consegue a paciente cumplicidade de seus espectadores.