Uma sátira política à la Buscemi
Por Vitor Velloso
Em certo momento da projeção vemos duas pessoas que não se vêem a muito tempo, pois, Stalin havia mandado matar uma delas, porém, um membro da cúpula havia mantido-a em segurança. Eles se abraçam, comemoram, e ao término disso vão para outro cômodo, um personagem diz ao outro: “Tenho tanta coisa para de contar. Eu comprei um cachorro”.
Bom, “A Morte de Stalin”, de Armando Ianucci, não é um filme a ser levado a sério. O exemplo acima é uma de muitas tiradas irônicas, que usam quebras de expectativa e subvertem a possível seriedade que a trama poderia conter. A história é simples, Stalin está morrendo, algo precisa ser feito. Apenas isso. A trama ganha novas dimensões, é claro, através da vasta quantidade de personagens. Suas subtramas irão se ramificando com o crescer da narrativa.
Um feito a se ressaltar é a linearidade que a progressão segue, as piadas são introduzidas no nervo central da proposta que o filme assume, mas não interfere na cadência do longa. O que se reflete em seu ritmo, que não parece demasiadamente fragmentado, mas sim com um fluxo cômico, muito bem construído pelo diretor. Ianucci constrói um humor negro, ácido mas muito maduro em diversos aspectos, sempre com um espírito muito juvenil/natural quanto a tragédia que o norteia. Ele é conhecido por fazer sátiras políticas, e aqui vemos uma obra que possivelmente será atacada por determinada parte ideológica. A falta de respeito com diversas estâncias esbarradas pelo roteiro, é notória. Felizmente, ele não se acovarda diante destes fatos, seguindo seu humor tragicômico da maneira como bem entende.
Não irei me aprofundar na performance de cada ator e atriz, pois, a quantidade é realmente imensa. Mas o destaque é Steve Buscemi, como sempre, que cria um personagem de uma frieza atrelada a uma carga sanguinária, que geram os melhores momentos do filme. Sua pose ridícula, somado a suas sessões de puxa-saquismo intenso, roubam os momentos. Ele chega a contar uma história, onde ele passava frio com outros soldados e seu passatempo, com o intuito de os aquecer, era retirar o pino da granada e jogar um para o outro, em seguida jogavam na direção dos prisioneiros e morriam de rir da forma como eles saiam correndo, comparando-os com prostitutas bêbadas. Isso em Stalingrado. Bom, acho que já expliquei algumas questões que o filme terá de escutar.
Curiosamente, o longa não é completamente neutro quanto a sua linguagem, alguns travellings lentos, intensificam determinadas piadas. Certos dolly ins, são bastante bonitos. E algumas propostas são bastante modernas, como um zoom bem rápido em determinado lugar. Mas tudo sem perder a irreverência de sua forma cômica, pois sua questão primordial, é nunca levar as coisas a sério. Nunca. Nesse ponto, determinadas piadas parecem ter saído da boca de Anthony Jeselnik, o que é claro, polêmico. Confesso ser um fã deste tipo de humor, ser agressivo em sua proposta sem soar vulgar não é tão simples quanto parece. Além dos próprios autores terem consciência do limite da comédia que eles podem atingir, sem serem ofensivos de forma gratuita.
A narrativa muda seu ritmo após a morte de Stalin, partindo para uma trama política de traições e golpes, que intensificam mais o humor físico, com as performances. O figurino passa a ditar algumas regras para que o caos generalizado fique apenas nas linhas de diálogos. Novamente, Buscemi cria as melhores situações. O humor se intensifica e passa a ter uma proposta brevemente diferente. Ele se utiliza de ironias nacionalistas a fim de fundar a verdadeira sátira política. Ideologia, é algo que o filme não se importa, até faz piada com isso. E qualquer militância que alguém possa fazer quanto a “são atores americanos, falando inglês, interpretando personagens soviéticos”, será completamente ignorada, pois, o cerne do projeto nunca foi ser fiel a determinada História ou acontecimento, e ainda assim, em certo momento faz piada com um aparelho, que por ser americano, não presta. Então, poupe-nos da vigilância moralista.
Há um caráter cômico muito próprio, em “A Morte de Stálin”, mas isso não faz dele um filme original. Longe disso. A ideia de sátira política com tons de humor negro, está presente no cinema a um bom tempo, inclusive, com o clássico do Kubrick “Dr Fantástico”. E possivelmente, ele será esquecido com o tempo, no final do ano, já não lembraremos dele. Porém, seus 106 minutos garantem uma dose de entretenimento bastante sinceros e contagiantes.