Sinceridade estética
Por Vitor Velloso
A proposta inicial de “2 Outonos 3 Invernos” parece bastante boba, em uma análise mais dura, pode-se dizer “idiota”, não que seja completamente ruim, porém, soa uma reciclagem de longas sobre escolas do início dos anos 2000 nos Estados Unidos, sobretudo pela proposta de confessionário à câmera e uma narrativa que está mostrando o primeiro encontro de um casal. Mas Sébastien Betbeder prova que possui um coração talvez mais maduro que aparenta.
Lançado originalmente em 2013, o filme chega com um atraso um bocado considerável ao Brasil. A película possui uma trama que irá narrar a vida de dois personagens, Arman (Vincent Macaigne) e Amélie (Maud Wyler). Tornando-se um ode à cultura da cinefilia e de ,certa forma, às narrativas sinceras. Não há necessidade de destrinchar a experiência, muito menos de provocar tecnicamente o que a obra tem a nos oferecer. Acredito que seja um filme com uma sinceridade tão grande e uma paixão realmente genuína àquela história, desta maneira, acho válido apenas permitir que o leitor possa tornar-se um espectador tão às cegas quanto deveria. Não há intenção de haver um primor técnico, muito menos uma história complexa cheia de reviravoltas, apenas, uma história de amor, um pouco peculiar, porém, um simples romance.
A estética é bastante pop, busca emular determinados estilos cinematográficos contemporâneos, assim como certos vícios do início do século, porém, consegue demonstrar algum arcabouço ao flertar com uma homenagem ao cinema, em especial, o francês. Suas referências nem sempre são tão sutis, mas criam um ar bastante lúdico em torno de toda aquela atmosfera. Diferente do Philippe Garrel, que trata a cinefilia como um vício romântico, mas decadente. A ilusão que Sébastien propõe ao público é de acreditar em falhas de personagem/caráter e furos de roteiro/parte de uma vida comum e sem uma elaboração intensa, como nós acreditamos nas narrativas que tanto nos encanta ao longo da vida. Uma fé singela em uma espécie de contorno ficcional que molda a realidade apenas para lidar melhor com a mesma, sem se prender ao niilismo que o conceito possa emular.
Ao ler esse texto parte pode imaginar tratar-se de um longa filosófico, intelectualizado, pelo contrário, ele abdica da mesmice europeia (neste sentido) e do ego inflado do pensamento acerca das coisas em si e blá blá blá, para abraçar um otimismo quase inocente com relação à própria misancene, não à toa, rompe diversas vezes com esses confessionários à câmera, com um fundo normalmente, neutro ou semi-aleatório, com a intenção de causar uma determinada estranheza e dar voz ao dispositivo que está sendo utilizado, uma denúncia direta ao cinema enquanto forma, ele soa como um falso documentário, mas assume desde o princípio que não é, nem pretende sê-lo. E essa é parte da beleza da obra, o diretor não possui a pretensão de ser absolutamente nada, muito menos um filme icônico ou emblemático. Não estou criticando quem tem a intenção de ser tudo isso, mas possuir a humildade de não ansiar por cada prêmio e louro, é algo raro.
A ideia não é nova, é verdade, diversos diretores e diretoras, assumem em suas estéticas uma despretensão que normalmente se transforma em carisma, no caso de “2 Outonos e 3 Invernos”, é a mesma coisa, porém, deve ser dito que o ritmo é lento demais para alguns, particularmente a experiência que obtive foi satisfatória o suficiente a ponto de jamais me referir a ele como um longa “chato”, ainda que reconheça seus hiatos narrativos extensos. É o preço que se paga por tentar captar parte da vida real e jogar no longa. Nossa vida é repleta de monotonia e faces sem absolutamente o menor sentido, que se fosse transportada à uma narrativa cinematográfica não teria o menor sentido. Sébastien busca contornar todos estes problemas e consegue, mas é obrigado a ceder no ritmo e na caracterização que consegue de seus personagens, pois, a fragmentação utilizada é inevitável, mas possui suas consequências.