Curta Paranagua 2024

Círculo Fechado

O Círculo de Giz Caucasiano

Por João Lanari Bo

Círculo Fechado

Círculo Fechado”, a minissérie em seis capítulos dirigida por Steven Soderbergh e roteirizada por Ed Solomon, carrega o espectador para uma experiência singular, na falta de uma palavra mais expressiva. O gancho do roteiro, se assim podemos dizer, é ver como personagens e situações desconectados entre si de alguma maneira vão se entrelaçar e fechar um loop. Loop é uma palavra inglesa que significa “laço”, “aro”, “anel”, “circuito” ou “sequência”, segundo o contexto. Um círculo de giz desenhado na Washington Square em Nova York delimita, sem maiores explicações, essas pontas soltas, que ligam inusitadamente classes e raças na conturbada metrópole norte-americana.

Ao contrário do habitual das séries na era do streaming, pensadas para embalar a audiência em maratonas exaustivas, aqui os realizadores – sobretudo Soderbergh, dos raros capazes de aliar experimentação e produção mainstream – parecem mais preocupados em propor uma topologia dramática, uma história que avança perseguindo convergências, conectividades e continuidades mais do que resoluções e finais conclusivos, felizes ou infelizes. Claro, paira no ar um desejo de saber aonde vai dar toda essa confusão, afinal esse é um direito de quem assiste TV: mas não se trata, definitivamente, de montar uma sucessão de gatilhos psicológicos e prender nossa atenção madrugada adentro.

O que se afigura, enfim, é um roteiro inteligente, que sugere uma apreensão multifacetada dos acontecimentos, como são, tudo indica, os acontecimentos que ocorrem na realidade. A ideia de loop traz em seu bojo uma dilatação do espaço-tempo, como se estivéssemos em uma curva infinita, sem entrada ou saída. O desenvolvimento do thriller – com mortes e plots twists, não necessariamente nessa ordem – é lento, as coisas não se revelam na velocidade que deveriam se revelar. Grupos de personagens de mundos heterogêneos, como imigrantes da Guiana, esse nosso país vizinho que vive submerso numa zona fantasma da (cruel) geopolítica midiática, sonham morar na América: em paralelo, um núcleo familiar burguês e bem de vida saboreia seu lifestyle à espera do próximo prato gourmet (um deles é de fato um chef popular, vivido na tela pelo veterano Dennis Quaid). Dois funcionários dos Correios, que se comportam como policiais, batem cabeça e correm atrás dos rastros do sequestro do herdeiro, óbvio, da família abastada. “Círculo Fechado” parece testar possibilidades oferecendo poucas pistas para nosso entendimento.

Entra em cena uma espécie de sindicato do crime guianense, estabelecido, como tantas etnias migratórias, no Queens, bairro fora da ilha de Manhattan. Convencida que a morte de seu irmão é mais do que acerto de contas – é signo de mau olhado – a chefe dessa, digamos, proto-máfia, pede ajuda aos anciãos do seu povo para quebrar a maldição e por ordem nas coisas: Savitri Mahabir é seu nome. O círculo de giz, que envolve também espalhar arroz sobre o giz, é o elemento central do plano – o sequestro, que seria o dominó deflagrador do suspense, está de alguma forma inserido no círculo. O resgate solicitado alcança exatos 314.159 dólares – os seis primeiros dígitos do número Pi, símbolo matemático de valor impreciso – e deverá ser entregue pontualmente às 1h11 da madrugada na movimentada Washington Square. Tantas escolhas que afetam tantas pessoas, acabam, naturalmente, dando errado. Estamos em loop.

Quaisquer que sejam as motivações da Senhora Mahabir, elas parecem remeter a um negócio imobiliário obscuro de 20 anos atrás, nas vizinhanças de Georgetown, a capital da Guiana. Seu principal assessor é um cidadão de origem indiana, exemplo da população multiétnica da pequena nação sul-americana, majoritariamente originária da África. Ou seja, a Guiana é mais um resultado do capitalismo colonialista que grassou nos últimos séculos da história mundial. “Círculo Fechado” atualiza esses tempos históricos para o circuito glamourizado de Nova York, inserindo-os nas cabeças desorientadas e deslocadas dos agentes da lei. Soderbergh filma tudo isso com luz natural, planos longos, muita falação – e plots twists inesperados, mas editados com uma lógica conectiva. Pouco a pouco emergem os conflitos conceituais do roteiro – culpa e responsabilidade geracional, pai e filho, comunidades globais versus comunidades locais e a mão implacável do capitalismo.

Uma série que é um quebra-cabeça circular, que parece não ter centro. Mas que não foge da sua missão: entreter, e agregar um caleidoscópio de situações e comportamentos. Em última análise, como na famosa peça de Bertold Brecht que fornece o título dessa resenha, entreter e não perder de vista o caráter didático da linguagem artística.

4 Nota do Crítico 5 1

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