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CineBH 2018: Primeiro Dia


O Primeiro Dia

Por Vitor Velloso


“Resistência é atestado de óbito”

E com essa frase o público era recepcionado por uma das performances que aconteciam no palco do Cine Theatro Brasil.

A abertura da 12ª Mostra Cine BH, o 9º Brasil Cinemundi e o programa Cinema Sem Fronteiras 2018 aconteceu às 20h no Cine Theatro e teria como objetivo principal apresentar o evento a todos, criando uma espécie de panorama, explicando como chegou-se ao tema desta edição: Pontes Latino-Americanas. A explicação para esta problemática abordada pelos curadores está mais esclarecida no texto de introdução do catálogo entregue por eles.

“A sina latino-americana é uma história vivida como tragédia e repetida como farsa”.

O texto citado, que está no site da Mostra, retrata bem a ideia por trás do tema. É basicamente, remontar uma memória que foi-se perdendo ao longo dos anos, através dos diversos problemas de produção e distribuição dos projetos cinematográficos dos países entre si. Isso porque para se fundamentar uma teoria ou uma concepção identitária mínima, é necessário percorrer a história nacional e criticar todas as conjunturas políticas que formaram o Estado como é hoje. E isto, vai contra todas as propostas da indústria de cinema vigente no mundo atual. Que mecaniza todas as etapas de produção a fim de criar um produto vendável. Não à toa a homenageada desta edição foi a produtora “El Pampero Cine”, que vai na contramão dessa produção industrial e conseguiu se estabelecer na Argentina como uma força criativa de intensidade notável. Tendo sido criada em 2002, a produtora desde então, promove esta reinvenção estética do cinema Argentino, sendo chamados, por uns, de “Nuevo Cine Argentino”. Logo, estamos diante de um marco histórico bastante relevante para o Cinema Latino-Americano.

Logo na entrada da Abertura, havia um performer retratando a corporalidade latina em uma forma de dança, onde gerava uma certa sedução, ao mesmo tempo que conseguia, com o olhar, tirar diversas pessoas da zona de conforto. Essa proposta funcionou bem, porém, acabou assim que a entrada foi liberada, o que é uma pena, pois a maioria das pessoas apenas viu de relance o que o artista estava realizando, sem poder observar com calma toda a construção criada por ele. Logo após todos estarem sentados no cinema, começou uma apresentação musical feita por um DJ presente, e uma cantora entrou rasgando os ares mineiros. Sua performance sem dúvida foi uma das mais envolventes e conseguiu preparar o público para a segunda, que destruiu e reconstruiu a memória de todos.

“A gente tem que se armar das memórias doídas e permitir que a memória deixe de ser colônia”, infelizmente não lembro com exatidão as palavras dela, mas foi algo próximo a isso. E toda a sua performance no palco girou em torno disto. Não demorou muito tempo para um “Lula, Livre” surgir da platéia e ela pedir para o homem repetir, assim que ele o fez, ela abriu um sorriso e confessou que depois dessa havia perdido a deixa. Ao retornar ela deu voz a dor da América Latina e passou para o próximo cantor. Que já teve uma apresentação mais tímida, buscando uma equalização da luta americana e um internacionalismo mais abrangente.

Durante a homenagem à Pampero Cine, Laura Citarella, uma das fundadoras disse: “Não vou falar em português, pois, o meu português é ruim. E não vou falar em inglês, porque… bom, não tem o menor cabimento falar inglês aqui né?” O público entendeu o recado e aplaudiu. Seu discurso foi bastante motivado e caloroso, compreendeu a diferença cultural entre os países mas explicando qual foi a motivação inicial da produtora e porque ela se mantém até hoje. Quando chegou o momento do representante do Governador, Fernando Pimentel, parte vaiou e demonstrou o descontentamento dos mineiros com o governo vigente.

Infelizmente, nem tudo são flores, alguns problemas técnicos geraram longos atrasos, a sessão que ainda contaria com a exibição em pré-estreia nacional de “Sol, Alegria”, que já possui crítica no site, ainda não havia começado após 1h de abertura, fazendo o público ficar impaciente e fazer breves piadas aos problemas técnicos. Mesmo com estes acontecimentos devo deixar, como nota, um parabéns, para a produção. Que está sendo muito atenciosa com a imprensa e super organizada no transporte e na forma como está se desenhando a estrutura base do festival.

Mas ainda assim, foi notória a forma de resistência proposta pela Mostra, é pungente os textos publicados no site e no catálogo, com citações do Avellar e Antônio Paranaguá. A metáfora “Construindo Pontes” um dos slogans citados, faz referência a uma unidade sólida Latino-Americana e não a diferentes blocos nacionais que devem pensar o próprio cinema. Diferenças sim, mas sempre pensando todos nós como irmãos. Afinal, todos temos nossos passados coloniais, vítimas de um genocídio em massa. O design que os idealizadores recorreram foram diversos pontos sendo ligados, para retratar essas comunicações diversas através de um discurso histórico que possui, em suas raízes, a mesma dor, apenas o ódio foi gritado numa língua diferente, mas a pele do opressor era igual.

A pergunta feita no texto é: “No século XXI, ainda faz sentido falar de um Cinema Continental?” A resposta é mais que óbvia, sim. A indústria apenas abafou a voz do cinema autoral, mas nunca a calou. E por isso, é de se alegrar que “Carnaval Atlântida”, “Pajarito Gómez” e “Agarrando Pueblo” sejam alguns dos filmes exibidos durante os 6 dias de evento, o que reforça essa identidade de luta e cinema mais direto. Uma forma de fazer cinematográfico mais provocativa, mais audaciosa e mais ambiciosa.

“Sol, Alegria”, exibido logo após as performances e discursos, é uma das provas que o cinema político de vanguarda não está morto, vale uma pequena ressalva, esta vanguarda mudou de caráter, e meio de emancipação, mas ela ainda existe. O longa faz uma releitura crítica da sexualização do povo brasileiro e faz alusão ao “Cinema Novo”, “Cinema Marginal” e outras concepções estéticas. Servindo como um vômito dos realizadores à cultura da TV e da massificação da alienação popular. Uma grande forma de se encerrar a noite e de se criar uma abertura digna de aplausos.

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