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CineBH 2018: O Tempo de Cao Guimarães


O Tempo de Cao Guimarães

Por Vitor Velloso


No quinto dia da Mostra, iniciei a programação com a sessão da Mostra Histórica, onde foi exibido “Vítimas do Pecado” do diretor Emilio Fernández, a obra-prima mexicana, assim como todos os outros da Mostra Histórica, receberão um texto à parte. Logo em seguida aconteceu a exibição de “Espera” novo filme do mineiro Cao Guimarães, certamente será a crítica mais difícil que eu escreverei do festival, pois, a potência que este longa possui, me deixou sem palavras por alguns longos minutos. Ao fim do debate, fiz uma breve entrevista com o cineasta.


Vertentes do Cinema: “Suas imagens possuem uma estética de encerramento, no seu foco, quadro dentro de quadro. De certa forma é um esgarçamento de um tempo morto que você explora. E isto, é um ponto de vista ideológico e político do mundo, e da imagem, em si. O que essas esperas significam para o Cao Guimarães, cineasta?”

Cao: “Eu acho que minha vida inteira eu devo a esses pontos mortos, então representados no filme. O filme é um pouco sobre isso, dentro da espera você tem essa ideia de tempo morto, um tempo da inutilidade, o tempo que vai na contramão do capitalismo. Se você pensar que a palavra escola vem do grego, e significa ócio, aí você pensa numa escola o que é hoje, é justamente o oposto do ócio. Escolar é ócio em grego, então, você pensar que os gregos aprendiam praticando o ócio, na conversa, ou seja o mundo caminhou na direção contrária, do que é o berço, da dita civilização ocidental, e esse tempo morto, que é o tempo da espera, que é um dos tempos mortos que existem, ele ta completamente impregnado nessa potência criativa contemplativa, e uma certa renovação, pois ali você não está em função de alguma coisa, você está simplesmente… é um estar não estando, pro mundo operacional. E é um momento de grande possibilidade de encontro com você mesmo, e com o outro.”

VC: “Primeiramente gostaria de lhe fazer um elogio, pois, na minha opinião, você compõe uma das imagens mais lindas do cinema brasileiro, nos últimos anos, especificamente no momento onde o Gael retira a faixa do peito. Ali existe uma intervenção nessa espera, existe uma virada de posicionamento à essa espera, quase de confronto. Recentemente você comentou que existem esperar que são passivas, outras não. Como foi o diálogo com o Gael, para que ele conseguisse realizar aquela imagem diante do filme, pois, é um ato de coragem extraordinário.”

Cao: Sim, é uma imagem que ele já havia feito antes de eu conhecer ele. Eu fiz outras imagens com ele, mas as imagens que ele fez de si mesmo, enquanto… Ele disse ali, planejando mostrar isso para o mundo, de uma forma muito subjetiva, dele. Além de gravar todo o processo, quase um confessionário. E um acompanhamento de uma transformação muito potente e muito poderosa, que vemos muito no rosto dele, no filme, claro, ele me passou materiais dele detalhando e contando essa experiência dele, transgênera. E eu também acho, concordo com você, falei com ele, que é uma das imagens mais lindas que eu já vi, não à toa, eu praticamente encerro o filme com ela. E é uma imagem corajosa, uma coisa de encarar o rosto do mundo, quase dar um tapa na cara do mundo “Deixe a gente ser quem a gente quer ser”. Basicamente essas questões políticas de gênero, é isso, porque não deixar as pessoas serem o que elas querem ser não é?

VC: “Porque interferir nisso né?”

Cao: Porque interferir nisso, isso é uma questão delas, na verdade você tem que apoiar. O Gael foi uma pessoa, que sinceramente eu nunca havia convivido tão de perto com alguém de outro sexo… que nasceu em um corpo errado, digamos assim. Primeira vez que nos falamos, ele me disse que o espírito dele é de homem, mas que ele nasceu em um corpo que ele não queria ter. E eu fiquei imaginando “ Realmente, isso deve ser muito complexo para uma pessoa. Aí você tem que apoiar esta pessoa, para que esta adequação de espírito e corpo, fique harmoniosa. Acredito que qualquer pessoa humanista tende a harmonizar essas duas e não ter preconceitos, críticas e… Coisas que são muito pequenas, mesquinhas diante disso. Então, o Gael é um ser naturalmente político. Quase num ativismo, pois ele fez essas imagens quase como um ativista, ele tem uma participação política na questão das pessoas trans, não à toa, a gente dedica o filme a esta questão. E eles fez essas imagens pensando em alguma peça possível, que acabou, generosamente, cedendo elas para o filme, que não era necessariamente sobre isso, era uma questão sobre a espera de uma forma muito mais ampla.

Você vê pelas imagens que ele tem uma potência criativa muito grande e uma coragem de exposição, e uma inteligência para falar disso, que é muito fascinante. Então é um menino que vai ainda ter muito o que dizer e mostrar…

VC: “Nos ensinar”

Cao: Nos ensinar…Claro, eu tenho 53 anos e esta é uma novidade que vivemos no mundo, é claro, sempre existiu, mas agora neste momento vemos isto abrir de uma forma mais ampla para a discussão.

VC: “E a última pergunta eu gostaria que você comentasse um pouco sobre essa relação entre espera e frustração, sendo uma decisão. Até mesmo você agora comentou que retirou muitas imagens que você adorava, então queria que você comentasse um pouquinho sobre isso”

Cao: É… Essas pergunta eu respondo, com a frase do Guimarães Rosa: “Esperar é reconhecer-se incompleto.” Justamente isso, que está impregnado numa certa… talvez num estado de paz, que você possa ter para aliviar a frustração, porque se você acha que vai atingir, alguma completude na sua vida, você não mais espera, você apenas espera pois você se reconhecesse incompleto, se não, você não… perde o sentido da vida. Então quando você busca e frustra, ela é decorrente de uma certa incapacidade sua de reconhecer que o melhor justamente é não ser aquilo que você esperava…. Porque o dinamismo da gente continuar buscando e esperando…

VC: “O cinema é isso né?”

Cao: O cinema é isso. De você esperar o que vai acontecer, mas o mais legal, é quando não é o que você espera, porque se não vira Hollywood, vira uma fórmula, é o que o mundo está impregnado, o que é terrível. Então, justamente é o que surpreende, essa é a palavra, a surpresa, na espera e quando você encontra a espera existe a surpresa, é a alteridade, é o que é diferente do que você imaginava que fosse, ou o que viesse a ser.

VC: “Muito obrigado pela entrevista Cao, e parabéns pelo filme”


Ao fim da agradável conversa com o cineasta, tive que voltar para terminar de assistir ao “La Flor – Parte 3”, encerrando minha jornada cabeceada por Mariano Llinás. Que como eu já disse, receberá um texto separadamente.

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