Cidadãos do Mundo
Uma prosa à italiana
Por Vitor Velloso
Dirigido, escrito e atuado por Gianni Di Gregorio, “Cidadãos do Mundo”, chega aos cinemas brasileiros como uma comédia em torno da precarização da previdência na Itália, uma espécie de paródia da atual situação em que o país se encontra, tratando o êxodo dos idosos como a única forma possível de sobrevivência na alta do custo de vida. Daí o título da obra, uma tentativa internacionalizante de exposição de uma crise que é global, mas se configura, aqui, como uma questão regional, em meio ao Euro. Contudo, a estrutura cômica do filme está mais preocupada em provocar umas risadas ocasionais na incapacidade de se desligar de suas vidas, que necessariamente construir um debate em torno disso.
O eurocentrismo é como a nota única aqui. Um discurso já calejado, onde o “Professor” (Gianni Di Gregorio) é o homem letrado, que dá de falar em latim para demonstrar seu conhecimento, como se livros sobre a Guerra do Peloponeso não fossem o suficiente na demonstração de sua ligação com o lugar. “Attilio” (Ennio Fantastichini) é o excêntrico inquieto que espuma seus conhecimentos de tribos na Austrália, mas segue no conforto de sua casa em um pequeno bairro de casas aconchegantes e jardins à mostra. “Giorgetto” (Giorgio Colangeli) é o verdadeiramente quebrado financeiramente, que empresta seu banheiro a um imigrante que pretende viajar para o Canadá. A vida dos personagens ganha uma nova direção quando eles desistem de permanecer na Itália, procurando meios legais e ilegais de viver uma vida melhor. Mas é nessa “grande aventura” que o filme até insiste na comédia, ainda que passe longe de ser efetivo.
Em “Cidadãos do Mundo” as coisas não evoluem, tudo permanece na mesma intensidade, do início ao fim, com piadinhas envolvendo a incapacidade de “deixar a terra”, chegando à transar com a ideia do “O Anjo Exterminador” (1962), onde um dos personagens chega ao limite do bairro e não consegue atravessar. Essa ideia que percorre grande parte do filme, onde uma série de acontecimentos dramáticos mantém os personagens “presos” em suas vidas, é onde esse humor prosaico tende a ser desenvolvido, com as recorrências mundanas e as interferências do “acaso” recaindo sobre todos. A incongruência é esse sentimento de uma União Europeia, com uma cultura que faz parte da gênese do pensamento dominante, não por acaso, seus desejos em mudar-se para algum lugar “próximo”, na intenção de retornar, é essa infâmia de um subproduto que segue uma padronização de perto. O modelo é da estrutura cômica dos filmes independentes europeus, mas a fórmula é norte-americana.
Contudo, se uma cena ou outra é capaz de provocar um riso, seja pela burocracia do Estado ou por alguma circunstância momentânea, elas são tão escassas que a monotonia toma conta e dificilmente o espectador se sente motivado pelos acontecimentos da trama. É tudo muito imediato e facilmente assimilado, com simbolismos que situam-se entre a reconciliação internacional ou o caráter comunitário que rege a obra. Até é possível reconhecer que a repetição de determinados cenários, transmite essa perspectiva de algo fechado em si, ainda que Gianni Di Gregorio faça um esforço para tentar dinamizar estes lugares, puxando alguns ângulos distintos e criando situações verdadeiramente inúteis para a unidade do filme, na intenção de ampliar mais o espectro das piadas. O que acontece é que o projeto de uma hora e meia de duração, gasta um terço de sua projeção no desespero cômico e perdendo ritmo de forma exponencial. Já próximo ao fim de “Cidadãos do Mundo” podemos prever facilmente o desfecho dessa crônica que não chega a lugar algum, ainda que não seja sua pretensão. Porém, se o riso deveria fazer parte de uma experiência tediosa onde três amigos enfrentam seus problemas com a previdência e a “normatividade” da civilização europeia, passa longe de ser algo concreto. Quanto mais o espectador progride, menos sentido podemos enxergar nessa epopeia de amizade e prosas desconjuntadas.