Christabel
A cantoria e a perdição
Por Vitor Velloso
“Christabel”, de Alex Levy Heller é uma obra que chega aos cinemas brasileiros com um atraso considerável e deve ser projetado em seletos cinemas brasileiros. A narrativa possui amarras na prosa e na poesia, entre uma encenação que busca se encontrar, algo que não quer ser emoldurado e uma consagração de determinismos formais para os festivais.
Aqui, existe uma questão basilar para o funcionamento da obra na perspectiva particular de cada espectador. As aproximações com a cultura popular brasileiras são dadas em composições distintas de acordo com o “arranjo” da cena. Em alguns momentos, o barato parece que vai funcionar, em outros é bastante forçado e trabalha com alguns arquétipos pouco honestos de um “sincretismo” Europa x Brasil. As passagens vão se amontoando e o pressuposto mítico se torna uma muleta para trabalhar uma vertente tautológica na exposição cultural. Entre uns esboços e outros, o norte de sexualidades vai esbarrando nas necessidades de compor um drama de traumas, onde as cicatrizes do Brasil vão se manifestando nos impulsos mais “primitivos” do ser humano.
O problema é que parte dessa equação não se resolve nas interpretações de maneira direta, não se encontram nos enquadramentos, a mise-en-scène não reconhece sua verve, caminhando para o estoico e da “formosura” teatral, seccionando os corpos diante da objetiva. Ou seja, é uma colcha de ideias onde vemos mais os retalhos que propriamente o resultado efetivo. “Christabel” acredita na “organicidade” de um Brasil que se aprisiona em si mesmo, mas confunde o subdesenvolvimento com sentimento, uma espécie de palco. Sendo ele um estado, o negócio funcionaria em uma mão diferente, sem esse excesso de intermediação expositiva dos quadros onde os personagens são “sufocados” pela realidade, essa moldura constante que a película é submetida, apenas explicita que há um propósito mimético em construir uma dimensão de tempo e espaço para consolidar que as relações dramáticas estejam ali figuradas e que a melancolia seja a tônica possível para o estado das pessoas.
Esse isolamento reforçado o tempo inteiro, munido de uma linguagem que não consegue criar a própria “danse macabre” sem “gritar” o tempo inteiro que quer seduzir pelas vias da obviedade, vai levando o projeto para um mar de clichês cinematográficos que vão fragilizando a experiência. As coisas não se encontram em “Christabel”, entre delírios, devaneios e mitologias que se perdem em uma apresentação expositiva e inócua. A figura diferenciada (quase circense) do vendedor e cantor, introduzido na segunda metade, é mal aproveitada em uma caracterização mambembe que acredita no “misticismo” da dualidade discursiva, mas não compreende que a dialética do estado é o que faz o personagem ser utilizado constantemente na cultura brasileira.
Ainda assim, Adrião tenta incorporar alguma característica particular nesse caos coletivo, não sendo lá muito profícuo já que seu personagem possui camadas que não se distanciam daquela unilateralidade arquetípica que se convenciona pelos meandros da produção cinematográfica nacional. Contudo, se o filme é uma bagunça generalizada, ele consegue cadenciar o drama das duas personagens com alguma paciência louvável, não é possível acreditar que o mesmo irá ser transmitido ao espectador. De qualquer maneira, as investidas de “Christabel” em uma mitologia erótica, nacional, melancólica, subdesenvolvida e compreendida entre a sedução e a queda, não funcionam bem por uma falta de amparo material.
Essa leitura constante que o cinema faz de uma realidade que não se define na materialidade, acaba sendo o motor principal para a fragilidade de projetos que não conseguem definir o material que trabalha e acaba vacilando na maneira que constrói a narrativa. Tudo parece suspenso para que haja uma teatralização da direção, mas a confusão já está instaurada quando o negócio só é capaz de funcionar no quadro e não há uma densidade que seja capaz de sustentar o barato. Quando o quadro é a única força capaz de criar, a base da própria mitologia se perde em uma necessidade de auto exposição constante.
“Christabel” é um projeto que possui algum potencial inicialmente, mas acaba se entregando aos formalismos de festivais e de uma produção contemporânea que nega o olhar crítico para a própria realidade e forma que o compõe.