Cervejas no Escuro
O perigoso charme da inocência
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2023
Os primeiros minutos de “Cervejas no Escuro”, de Tiago A. Neves, são animadores. Movimentos de câmera que possuem clara consciência de seu propósito, enquadramentos que procuram transformar um encontro casual de bar em uma tela que preenche o quadro, com a fotografia quase revelando os dispositivos, tamanha a exposição dos contornos nos personagens. Porém, depois as coisas ficam mais instáveis, abandonando um pouco dessa ousadia formal dos primeiros minutos.
É cativante a paixão envolvida nesse filme. A forma como tudo parece ser uma enorme alegria, como todos estão sempre se entregando em cena, o próprio humor do filme, capaz de arrancar algumas risadas no Cine-Tenda. Visível que as pessoas estavam participando por amor e confiança no longa. O problema é que “Cervejas no Escuro” possui muitos altos e baixos, chegando a criar um certo desconforto ao longo da projeção. Isso porque se em algumas cenas, somos capazes de rir das situações que nossos personagens estão vivendo, a partir da linguagem, o filme consegue criar uma boa dinâmica entre os personagens. A primeira cena da gravação é particularmente hilaria, por conseguir transformar as diferentes perspectivas de gerações, em um motor para a comicidade.
Apesar de tropeçar com alguma frequência, o longa consegue manter algumas características da ousadia, em pequenos lampejos, seja no tilt que enquadra a igreja, determinadas tomadas aéreas são interessantes para que possamos entender que o caráter regional, sem burocratizar esse processo. Por outro lado, algumas decisões podem dividir a recepção do público, como a tentativa de contar a história regional com fotos de arquivo e uma aula expositiva, quebrando um pouco o ritmo do filme, mas cumprindo uma função social didática ao propor que o espectador tenha conhecimento de parte da história da Paraíba e de Princesa. Contudo, passa a deslizar gravemente no terço final, onde não consegue mais manter a ousadia e o frescor dos minutos iniciais e passa a demonstrar uma grande debilidade na montagem, na construção de suas cenas, com momentos constrangedores e planos que não possuem um motivo definido que esteja claro. São cenas reativas, normalmente planos fechados que: ou possuem caráter estatizante ou parecem deslocadas de um corte distinto do que é projeto. E essa falta de solidez, faz com que a experiência passe a ser ditada por quanto estamos dispostos a ignorar essas questões e procurar seguir nossa protagonista, Edna.
“Cervejas no Escuro” acaba expondo seus méritos cedo demais e perde muito fôlego até o fim. Foi possível conversar com algumas pessoas que assistiram aqui na 26 Mostra de Tiradentes e os comentários costumavam girar em torno do quão engraçado era o filme na primeira metade. Isso é um problema particularmente sério, pois a impressão final que fica para o público, tende a ser influenciada pela segunda metade da projeção. Além disso, algumas atuações são comprometedoras para o funcionamento de determinadas cenas, fazendo com que parte das intenções possam ser perdidas, dificultando a imersão.
De toda forma, o espírito apaixonado que a produção consegue transmitir, pode vir a cativar as pessoas que se aventurarem por um projeto que fala tanto sobre Princesa, quanto de cinema, já que mostra como funciona o caminho de realização de uma obra, as dificuldades, os temperamentos que são envolvidos nas relações pessoais etc. A própria paixão de Edna por perseguir seu sonho de realizar um filme, é bonita e singela, quase como uma analogia direta à feitura do próprio longa. Porém, isso não é suficiente para sustentar o filme. Pode até conseguir atrair alguns defensores, através desta característica, mas acaba explicitando que seus problemas estão ancorados em questões graves, onde potências podem se perder muito rapidamente.
A “inocência” de “Cervejas no escuro” possui algum charme, sem dúvida, mas acaba debilitando o todo e o preço é mais alto do que parece. Quando na reta final vemos o plano da reação da menina, ao receber um objeto das mãos de Solange, fica nítido que as coisas estão fora de seu lugar, como quem precisa cumprir uma certa cartilha do cinema narrativo. Está claro que este exemplo é apenas para procurar sintetizar como o filme passa a contar com planos desnecessários e mal estruturados dentro dessa narrativa que possui muitos méritos em sua primeira metade, mas que perde sua condução com o progresso.
1 Comentário para "Cervejas no Escuro"
Não encontro trailer do “CERVEJAS NO ESCURO”… Será que tem?
Grato