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Casa de Dinamite

Apocalipse Now

Por João Lanari Bo

Festival de Veneza 2025

Casa de Dinamite

Casa de Dinamite”, longa dirigido por Kathryn Bigelow (de “Detroit em Rebelião“, “A Hora Mais Escura“, “Guerra ao Terror“), lançado em 2025, retoma uma tradição eventualmente esquecida no cinema – filmes sobre apocalipse nuclear, fantasma que ronda a humanidade desde que bombas atômicas caíram sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Esses trágicos eventos sinalizaram, pela primeira vez, a possibilidade de destruição total, ou quase total, do que se convenciona chamar de civilização. Ou seja, a possibilidade de um vazio absoluto, aniquilamento geral: não é ficção, é um true crime.

O que fazer diante dessa circunstância? “Casa de Dinamite” vem à tona no momento em que a ameaça reaparece nos discursos dos líderes de países detentores de arsenais nucleares, às voltas com guerras localizadas e (aparentemente) insolúveis, como a que grassa na Ucrânia. O que esperar de personalidades como Putin e Trump trocando provocações a torto e a direito envolvendo ogivas e mísseis? Ou dos chineses, sempre com uma postura mais reservada, mas igualmente inquietante? E dos países conectados por um conflito latente, como Índia e Paquistão, onde um ataque desse porte é sempre mencionado nos embates retóricos? E no Oriente Médio, onde Israel não assume que tem a bomba, limitando-se a declarar que “não será o primeiro a usar o recurso”? Para não falar dos “newcomers’ no circuito atômico, Coréia do Norte e Irã, dos quais ninguém sabe com certeza do que são capazes?

Kathryn Bigelow e o roteirista, Noah Oppenheim, ex-produtor de jornalismo da rede NBC, afinaram a narrativa em torno da zona cinzenta mais apavorante desse imbróglio, o processo decisório que pode levar, ou não, a alguém apertar o botão fatal. “Casa de Dinamite” tem um ritmo acelerado de thriller, mas sem tiros ou explosões: uma linha do tempo de cerca de 20 minutos pontuada por tela preta, mostrando os mesmos eventos a partir de pontos de vista diferentes, organiza a história. O que pode à primeira vista parecer confuso transmuta-se numa inquietante sensação – o sistema é frágil e vulnerável, do operador do radar na Alasca que detecta o míssil em direção ao solo norte-americano ao Presidente em Washington (Idris Elba). São vários os condutos hierárquicos da decisão final que, portanto, está sujeita a hesitações, para dizer o mínimo (se fosse IA, sujeita a erros monstruosos).

A direção meticulosa de Bigelow é particularmente adequada nesse contexto – foi ela que dirigiu o notável “Guerra ao Terror”, de 2008, uma crônica franca e destemida da ambiguidade política norte-americana em relação à guerra do Iraque. Para “Casa de Dinamite”, a equipe visitou a Sala de Situação da Casa Branca e a sede do Comando Estratégico dos EUA em busca de uma decupagem realista. Por outro lado, o acúmulo de siglas explicitadas ao longo do filme, designando planos específicos, ou centros de comando espalhados pelo mundo, ou seja lá o que Deus quiser – adiciona uma camada de ambientação semiótica a esse mundo tecno-político-militar que dispõe de um poder incomensurável sobre nossas existências. O míssil, cuja origem é vaga, dirige-se para Louisville, Chicago, Columbus ou, na melhor das hipóteses, para algum lugar no Middle-West – e sua interceptação, imperativo da racionalidade militar, é o leitmotiv dos burocratas.

Alguns deles, como Olivia Walker (Rebecca Ferguson) estão tendo um dia normal até que o míssil é detectado em sua trajetória se aproximando dos Estados Unidos. Jake Baerington (Gabriel Basso) também estava na rotina com a mulher grávida, mas acaba encarregado de dialogar com alta autoridade russa para obter a promessa de que não haverá retaliação caso ocorra ataque preventivo, com armas nucleares, contra outra nação (ele é um jovem e ambicioso vice-assessor de segurança nacional, com acesso ao Presidente). E o General Baker (Tracy Letts), que parece à vontade com comentários mundanos até que a parede de monitores à sua frente comece a exibir más notícias – como bom militar, é ele quem propugna por uma reação à altura, bomba contra bomba. Ao vacilo do Presidente, que reage com o previsível isso é insanidade, o General rebate – Isso não é loucura. É a realidade.

Para arrematar, e acrescentar mais um índice de verossimilhança ao filme, ninguém outro que o próprio Pentágono esclareceu que o filme e sua representação ficcional minimiza as capacidades dos EUA. O texto consta de um memorando interno da Agência de Defesa de Mísseis (MDA, na sigla em inglês), obtido pela agência Bloomberg e datado de 16 de outubro.

A MDA afirma que a alegação de 50% de precisão feita em algum momento no filme baseia-se em protótipos anteriores, e que os interceptadores atuais apresentaram uma taxa de precisão de 100% em testes por mais de uma década.

Acredite, se quiser.

4 Nota do Crítico 5 1

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