Carcereiros – O Filme
Salve-se quem puder!
Por Fabricio Duque
Criado por Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Dennison Ramalho, a série “Carcereiros”, dirigida por José Eduardo Belmonte (de “Alemão”), baseada no livro homônimo do Dr. Dráuzio Varella, teve exibição inicialmente no GloboPlay e logo em seguida na Rede Globo com vinte e nove episódios sobre o sistema penitenciário brasileiro. E agora um novo capítulo chega aos cinemas. “Carcereiros – O Filme” foca mais na ação-adrenalina que nos desdobramentos sentimentais-existencialistas de suas personagens, ainda que aconteçam conflitos-súplicas de uma filha tentando “resgatar” o pai por não ter mãe, este o ator-protagonista Rodrigo Lombardi, que encarna a figura do salvador “Capitão Nascimento” por acreditar que é uma peça importante e imprescindível nas engrenagens do sistema de segurança pública, que tem como ordem máxima de seu “trabalho” (palavra embasada no depoimento) a de “garantir que preso fique preso e não morto”.
“Carcereiros – O Filme” é sobre mais um dia nas entranhas de uma cadeia. A narração-preâmbulo (com um tom de confissão representativa da sociedade-contexto), junto com imagens reais (do arquivo da Rede Globo) de rebeliões em presídios e suas chacinas, busca a crítica passiva de cunho mais observacional e ao mesmo tempo resignada, quase pessimista. “O inferno não é tão longe. Um mundo aqui que as pessoas preferem não olhar. O Estado que promete um mundo de coisas que não consegue cumprir”, diz-se repetindo o imaginário popular e indo até o limite de onde se pode ir para não se configurar um filme contra o Governo. Não há como não referenciar “Tropa de Elite” (principalmente a segunda parte), de José Padilha. Ainda que o filme se passa no Brasil com diretor e atores brasileiros, é um longa-metragem americanizado em vários aspectos de construção narrativa com seus gatilhos comuns e condicionados de um típico gênero de ação. “Divisão é guerra e guerra não tem juiz”, complementa-se.
“Governo novo, novos tempos. Mas vem mais da mesma coisa. E aqui tem Governo e Oposição no presídio”, diz-se com conformismo potencializado e diálogos que optam pelo protocolar, anti-naturalismo e excessivamente didático. Nós espectadores somos convidados a entrar e a participar dessa encenação ficcional e suavizada. “Carcereiros – O Filme” é uma sequência de esquetes corais e estereotipados, que desaguam na “missão” da personagem principal, o agente penitenciário Adriano. Contudo, a câmera (na ação) próxima e ultra ágil cria a ambiência-sinestesia inclusiva (digna de uma obra hollywoodiana típica) e consegue abafar o roteiro facilitador e com graves fragilidades estruturais de obviedade palatável ao público médio fã da série. Seus plot twist geram reviravoltas com seu “terrorista estrangeiro” (o ator Kaysar Dadour) de uma noite (protegidos pela Interpol – sim, a lembrança de “Tropa de Elite” com a vinda do Papa é mais que pertinente) e “doleiros e seus acordos por delações premiadas de fim do mundo”.
“Carcereiros – O Filme” não sai de sua zona de conforto. É uma sucessão de clichês, com direito a músicas mais emocionais. Há presos tentando “ferrar o Governo” com seus “códigos de ética, respeito, honra e ostentação do poder”; carcereiros tentando “tirar leite de pedra” dos “tribunais sem recursos”, com equipamentos defasados; ninjas à moda de 007; bandeira do Brasil no varal; a ala evangélica (“Deus, a única vontade”, “O dia da ira”); a operação “Cavalo de Troia”; tudo busca um simbolismo já condicionado, entre pressões, desafetos e limites à explosão. Os gatilhos comuns ajudam a deixar o filme mais parecido com a arquitetura de uma novela. Cortes rápidos, diálogos sempre muito explicados e algoritmos de criação das cenas de ação, criando assim a conotação mais ingênua e mais primitiva da condição humana. E assim, o longa-metragem, um que de montanha-russa de altos e baixos, ganha corpo metafórico quando esses “primitivos”, que não têm nada a perder, resolvem de forma inconsequente e passional, movidos pelo ódio, “salvar” o dia e a tragédia-guerra de “Faixa de Gaza”.
Sim, o filme soa mais inocente ao abordar questões e menos aprofundado nas reais e necessárias questões políticas. É muito mais uma leve ficção que um retrato social. Adriana é a personificação da perfeição de um funcionário público. Íntegro, pacifista, avesso à violência, submisso às ordens e que encontra no seu trabalho a razão de seu viver. É a representação fantasiosa de como todo brasileiro deveria ser. E de como é o verdadeiro país visto com olhos mercadológicos.