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Capitão Astúcia

A injustiça de sonhar

Por Ciro Araujo

Festival de Brasília 2022; Festival de Vitória 2022

Capitão Astúcia

Gênero de super-heróis, que coisa, não? Parece que essa parcela cinematográfica se desenvolveu através dos anos para um monstro, que busca absorver a todos. Assim, esse mito narcisista, gosta de falar muito dele próprio e sobre ele. “Capitão Astúcia” longa-metragem de Filipe Gontijo, é mais um nesse sentido, apesar de capturar arquétipos para tentar criar algo – novo – ali.

Paulo Verlings, que realizou um par de produções policiais, interpreta Santiago, um protagonista inquieto com seu mundo de artista mirim. Espelhando-se em Dom Quixote, o diretor traz Fernando Teixeira, que representa a quebra do paradigma do protagonista, como um avô distante e aventureiro. O conceito de aventura – quem lembra das produções de Renato Aragão pós-Trapalhões, nos anos 2000 – parece estar próximo do que interage com força no espectador de hoje: um que deseja se distanciar da realidade, sonhar com o impossível. Muito se conversa sobre esse mundo que parou de sonhar. Terry Gilliam, o estadunidense do grupo Monty Python, gostava desses conceitos de blockbusters que se chocavam com um poder central enquanto fugia da realidade. Não é à toa que realizou também um filme sobre Dom Quixote. Neste caso, “Capitão Astúcia” parece alheio até demais de suas vontades para apreciar o heroísmo herdeiro do gênero de super-heróis. Esse tal que foi tão feito e refeito, desmontado e remontado, que não parece ser tão possível de novidades. Se, enquanto sonhador, derrotar um vilão moral? A ideia do capitalismo como consumidor central do ser-humano, enquanto foge dos padrões impostos por uma sociedade cansada e vidrada.

Os comentários que Filipe Gontijo larga através de sua narrativa são genéricos. Possuem sim, sua validade, mas acima de tudo como referência visual e comunicacional são esvaídas de uma complexidade. A comédia absurda precisa, antes de tudo, esse poder de se desvincular do tradicional lirismo americano. Como a obra brasileira, munida de nomes como “Kid Pianinho” pode trabalhar além? Esses desejos norte-americanos de realizar vontades e fugir do mundo real em que existe sempre um capitalista explorando o outro… O cineasta de “Brazil” uma vez discorreu sobre seu desgosto do gênero e falou sobre essa questão de sonhos versus realidade. Quando existe esse claro interesse de expor que tudo é uma jornada para se desvincular da tristeza corporativista, a obra até cria seu carisma. Mas, diante de um personagem de Santiago tão alheio à realidade, tão longínquo da originalidade, vontade e potência. Assim, acompanhar uma narração expositiva aproxima só a literatura de quadrinhos – e não a interessante, a genérica de super-heróis que passou por grandes altos e baixos justamente pelo conceito de assimilação e sonhar.

Por mais que refilmagens de Dom Quixote tenham sido extrapoladas, aqui ganha corpo. Talvez seja pela infinitude de Miguel de Cervantes, que preparou um terreno tão gostoso de se parodiar fábulas. Esteticamente é um mar de possibilidades, no quais Filipe Gontijo não se aproveita. Não apenas graças à exposição descontrolada, como uso excessivo de cores e fotografia de gênero que não se compreendem. O “filme de gênero” existe como convenção para explicar estereótipos estéticos que podem sim se preencherem de pulsos, como no preto e branco de Akira Kurosawa. Quando aqui é aplicado, parece apenas referência visual solta, absolutamente desesperada para se associar à noção de cultura pop. Que por sinal, é apenas um embaralhado de abutres do entretimento que analisam justamente o poder de atenção do espectador médio. Diversos sistemas de streaming aparelhados por grandes empresas da mídia souberam entender as consequências do gênero.

Então, como é possível assistir “Capitão Astúcia” sem pensar como o cinema está estagnado através da típica americanização – leia-se softpower. Quando a obra foge para um sentido revoltante de Terry Gilliam, o sentimento de sonho, poder e realidade parecem estar em constante contato implosivo, no qual a obra não se sustenta. Muito por sua adoração ao super-herói, e não pelo que eles representam quando esvaídos da massificação cultural. É possível, sim, mas a sugestão fica justamente pelas várias tentativas de reconstruir tal gênero: é uma armadilha, difícil de sobressair e se caracterizar como original, ou ao menos potente para aspirar. É o que os quadrinhos faziam, quando se esvaídos de seu estado de arte e focados na comunicabilidade. Sempre bom lembrar daquela HQ clássica citada por vários quando Zack Snyder se aproximou de uma estética fascista: super-homem salvando uma garota suicida. A aventura nem sempre representa no personagem, mas na capacidade de representar algo. O longa-metragem, infelizmente, não é próximo disso.

2 Nota do Crítico 5 1

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