Cão Que Ladra Não Morde
Ciclo de absurdos
Por Vitor Velloso
Ao reconhecer em Bong Joon-Ho, um dos cineastas mais importantes da década, quiçá do século, o orador/escritor deve projetar sua carreira em uma tela onde se fixa parte da cinematografia sul-coreana. Se por algum motivo, Bong permanecer no topo da lista, há uma clara aproximação de interesses aqui. Não leve a mal as palavras acima, mas o diretor realizou uma escalada pouco ortodoxa, e menos inventiva, através do cinema contemporâneo.
De usual, a trama atravessa cápsulas de crônicas que se desenvolvem a partir de um humor que foge da padronização comercial. Proclamando o que há de mais insensato em toda sua narrativa, são pérolas de absurdez que se aglomeram e geram mais um projeto. “Cão que Ladra não Morde” é um desenho sólido das necessidades do cineasta em seus filmes, não foge seu estilo. Que sempre parece estar preocupado com as pequenas relações imediatas que ali estão, ao passo que se esforça em compreender as políticas que atingem diretamente aquele micro retrato. O mais interessante é o constante esforço em ampliar essas relações à uma questão maior, cultural de fato, o que está presente em pequenos amuletos que Bong se apropria, como os momentos de comer, o cigarro e o barulho ao redor da locação.
Partindo dessas questões quase isoladas, o filme situa o espectador em personagens que permeiam a sociedade sul-coreana pela margem, levando uma espécie de inconsciente coletivo ao patamar de estereótipo concreto a ser apresentado ao espectador. A mobilização formal para que isto funcione, parcialmente, está sempre em seu enquadramento, um jogo bastante peculiar, tanto quanto previsível, que estaciona seus objetos em posição de construção dramática exterior as proposições políticas da obra. Enquanto Bong está preocupado em sublimar o discurso aquilo que se possa ser absorvido por osmose, seus personagens vão se perdendo em suas inquietações e os gloriosos surtos que são seguidos de uma catarse libertina, sempre aliada ao humor recorrente de Bong.
“Cão que Ladra não Morde” é menos esquemático que parece, mas ainda assim é um jogo um bocado burocrático para que possa se almejar alguma dialética perante as relações sociopolíticos que estão postas. Além do ritmo arrastado, a maneira que se pretende desenvolver os ciclos dramáticos se prende constantemente em totens isolados de determinados personagens, como mudanças brutas advindas de alguma atitude ou algo que viram. Uma fórmula pouco diferenciada, para um cineasta que é tão ovacionado pela originalidade. Suas peculiaridades estão diretamente ligadas ao elemento do absurdo que ele perpetua como questões individuais e de um coletivo cultural. E quando temos alguma ruptura dramática que consegue despertar o interesse do espectador, como a cena do papel higiênico, ela é resumida à um surto quase deslocado que é esquecido em sequência.
O incômodo do protagonista com os latidos é o elemento centralizador de toda a narrativa, o que promove uma movimentação orgânica das ideias ali presentes, o problema é como as mesmas são desenvolvidas ao longo da obra. Pois como em outras obras de Bong, o excesso de burocratização dos dramas promove uma flacidez das relações dramáticas. O que poderia ser um efeito positivo, mas acaba demonstrando que as proposições de crônica funcionam como gatilhos rápidos e que estão ligados ao imediatismo de determinados personagens.
“Cão que Ladra Não Morde” é tudo aquilo que se espera do cineasta e serve como um elemento primitivo de “Parasita”, com diversos totens cenográficos presentes desde cedo. Não é difícil ver o embrião ali. As intenções são normalmente positivas, mas suas tentativas resultam nesse exercício tedioso de discutir o absurdo de atitudes e uma micropolítica que contorna a narrativa e jamais se concretiza como corpo fílmico, muito menos como uma dialética que proporcione a experiência tão abandonada pela contemporaneidade, uma mudança. Parece que a maioria dos cineastas que denunciam os problemas de uma sociedade estão mais preocupados em agradar a obviedade de apontar o dedo e falar “Olha o problema”.
Obrigado capitão óbvio.
“Cão que Ladra Não Morde” é a miragem que se mira ao olhar pro fundo da paisagem à espera de uma resposta. Ao compreender que “Parasita” é a devolução deste tempo de ócio, é necessário que se repense que aguardo deve ser feito diante de um mundo com tantas mutações constantes. Se a unanimidade é burra, a constância é o que?