Um filme que não sabe o que fazer
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2018
O diretor iraniano Asghar Farhadi abriu oficialmente a mostra competitiva do Festival de Cannes 2018 com “Todos Los Saben”, cujo roteiro busca uma aproximação com um de seus filmes “À Procura de Elly”, entre cortes rápidos e elipses continuadas. Se no anterior, o objetivo era a sinestesia do momento, aqui, então, o resultado é o oposto. Somos distanciados da trama, como uma novela traduzida de forma palatável para agradar a todos.
Seu início detalha as engrenagens de um sino e insinua recortes de jornal de um sequestro de uma menina, tentando criar um preâmbulo ambiente imersivo. Com uma fotografia saturada, em uma câmera acelerada (de cortes rápidos, que mudam na cadência entre uma e outra piscada dos olhos – à moda de Terrence Malick e seu “Canção à Canção” com “Os Suspeitos”, de Denis Villeneuve), a história é desenvolvida na língua espanhola, com um elenco latino, que integra Javier Bardem a Ricardo Darin, passando por Penélope Cruz.
A espanhola Carolina (a atriz Penélope Cruz), que mora em Buenos Aires, volta com os filhos para sua cidade natal, próxima de Madrid, para a comemoração familiar do enlace matrimonial de sua irmã. Mas acontecimentos dramáticos desmascaram medos e segredos, mudando sua vida completamente.
“Todos Los Saben” é um filme de momentos, que busca uma naturalidade editada. Às vezes, consegue, como a música da cena do casamento, que liberta a entrega, vida e energia de cada um de seus atores em seus papéis. E ou como a aura de Penélope quando chega em seu destino imbuída de Pedro Almodóvar e Woody Allen em “Vicky Cristina Barcelona”. E ou padre que não perde a chance de pedir dinheiro. E ou o drone que constrasta com a atmosfera nostálgica-bucólica de um interior (que tampouco a chuva e a falta de luz atrapalham a felicidade desmedida). E ou a constância da característica corroborada da desconfiança, presente em todos os filmes de Farhadi.
Contudo, como foi dito, é um filme que quer agradar. E deixar ao público um produto mastigado e pronto para engolir. “A diferença entre a uva e o vinho é o tempo. Marca o caráter”, diz-se, criando uma metáfora que não leva nada a lugar nenhum. Que quer criar uma barreira da superficialidade, tudo talvez porque seu realizador e roteirista tenha adentrado em um mundo estranho de diferentes comportamentos geográficos. É uma experiência. Uma tentativa de se firmar no universo mundial do cinema.
“Todos Los Saben” ganha elementos fora de tom a cada ponto. Ora por facilitar a condução de sua direção, ora por transformar mulheres em fortes (como a menina aventureira), para depois padronizar a sofreguidão (e ou a surpresa pós beijo e a asma), e homens em fracotes (o menino com medo, para depois assumirem o controle total e absoluto). A escolha quer respeitar a pluralidade do existir, mas o que consegue é o estereótipo mais simples do ser, quase com amadorismo.
Quando o conflito e consequentemente a reviravolta acontecem, percebemos então que tudo é rápido demais, brusco demais. Desengonçado e apressado, metendo os pés pelas mãos. Falta construção de ritmo, falta timing. O filme torna-se uma montanha russa em queda do melodrama, por causa de seus bregas clichês e gatilhos comuns de potencializar o elemento emocional, que gerou risos na sessão aqui em Cannes.
Entre investigações, esperas, hesitações, todos são suspeitos. Um sofre por fora, outro “por dentro”. “Todos Los Saben” não sabe mais em qual direção ir, apela por misericórdia e cumplicidade com obviedade, abordando infinitos e novos elementos narrativos, como conflitos de donos de terras, vinganças, paternidades, câmeras que espreitam e ateus convertidos à religião. E depois de tudo, a vida segue. E o Festival de Cannes também.
Festival de Cannes 2018: “Todos Los Saben”
Do diretor iraniano Asghar Farhadi (de “A Separação”, “O Apartamento“, “O Passado“, “A Procura de Elly“). Ficção. Com Penélope Cruz, Javier Bardem, Ricardo Darín. 132 minutos.
“Todos Los Saben” é o filme de abertura do Festival de Cannes 2018 e integra a mostra competitiva oficial.