Verão
Em busca do dia perfeito
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2018
“Verão”, do diretor russo Kirill Serebrenkov, que integra a mostra competitiva oficial do Festival de Cannes 2018, é acima de tudo uma homenagem aos artistas da música. Aos do rock de garagem de atmosfera punk do cenário oitentista em Leningrado. Seus personagens, músicos underground, vivem uma liberdade existencialista de liberação sexual, cigarros, drogas, bebidas e muitas vertentes, exploratórias e referenciais do Rock’n’roll que vai de Rolling Stones a Blondie, passando por Sex Pistols, David Bowie, Bob Dylan e muitos outros.
Por uma fotografia em preto-e-branco, que imerge completamente o espectador na nostalgia de um tempo revivido no presente, e por uma câmera próxima intimista, o filme cria a sinestesia de um elegante Charles Bukowski. Nós sentimos o momento, os dramas, as sutilezas, defesas, amores, vontades, paixões de cada um deles até mesmo o de não sentir ciúmes (por acreditar que o próximo deva ser completamente livre – é o livre arbítrio).
O público experimenta aqui sensação parecida com “Polytechnique”, de Denis Villeneuve. Mas sem crimes e sim com a máxima contemplação de um cotidiano à moda boêmia de um moderno Woodstock, intercalando com uma fantasia projetada de pôr para fora, como um grito aprisionado, uma catarse segurada por muito tempo, que revive em reconstituições mais populares e orgânicas, quase à moda proposital amadora de Michel Gondry, os videoclipes icônicos dos grupos que estes jovens em construção tanto admiram.
“Verão” é uma experiência apaixonada. De músicos por suas músicas. Por shows de punk rock underground da cena russa. Que lutam para que não precisem nunca inserir “disco” no que fazem. Kirill Serebrenkov não pode vir este ano a Cannes, tudo porque está preso em sua casa suspeito de protestar contra seu governo. Diretor do polêmico “The Student”, exibido ano passado aqui no mostra Un Certain Regard, seu subversivo realizador gosta de provocar e “cutucar a onça com vara curta”.
No verão de 1981, o rock underground chegava na Rússia Soviética, mais precisamente em Leningrado, onde hoje localiza-se a cidade de St. Petersburg. Sob a influência de artistas internacionais, como Led Zeppelin e David Bowie, o rock vibrava na cidade, marcando o nascimento de uma nova geração de artistas independentes. O jovem Viktor Tsoi ganhou fama internacional e tornou-se o primeiro grande representante russo do gênero. Além da música, ele também ficou conhecido pelas polêmicas relacionadas a sua vida pessoal, como o triângulo amoroso que viveu junto com o seu mentor musical, Mike, e a esposa dele, Natasha. “Velvet Underground, uma boa gravação?”, ironiza. “T-Rex ou Lou Reed?”, cada um descobre sua veia. “Um arrogante. O outro não”.
Seu título “Summer | Leto | L’été” é uma metáfora à atmosfera livre do verão. De dias perfeitos, como na música de Lou Reed. De transgredir a diversão, que deveria ser contida e “apreciada” para “manter a ordem e os bons costumes” de um governo “autoritário-ditatorial”. O longa-metragem quer importar a nostalgia da época, a personificando no presente real, como que uma “new wave” de “De Volta Para o Futuro”; a trilha-sonora de Talking Heads em “Psycho Killer” e “The Passenger”, de Siouxsie & the Banshees; e o aviso que “nada aconteceu”.
Entre affairs de rockstars, imagens coloridas e em super 8, ficcionais de arquivo (com o intuito de estreitar a intimidade com o público – com a cadência da câmera que acompanha, fluindo liberdade e espontaneidade), nós sentimos os momentos de tanto ultra-naturalistas. Nós estamos no grupo. Nós somos as groupies. “Tirar os óculos para a posteridade” é outra metáfora (de auto-proteção de mostrar os vulneráveis olhos) do que realmente é real ou mascarado. “Olhe no meu rosto, não na realidade”, diz querendo o primitivo, consciente e orgânico do “mais lírico, menos gritado e nunca comic music”.
“Verão” é sobre ideologias. Sobre o conceito do amor pelos grupos, como refazer as capas dos discos. Mas “Duran Duran não”. De “veteranos apoiando a juventude”. É um filme dedicado a todos aqueles que nós amamos ouvir. É poesia da própria vida, deixada seguir seu ciclo e fluxo com “Alabama Song”, de The Doors. É sobre sentir a fantasia. A magia realista. “Meu humor depende de quantas cervejas eu tomo”, finaliza. Concluindo, um filme que merece ser visto.