Canções Engarrafadas 1-4
Mesa de computador e a propaganda
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra CineBH 2021
Seguindo a programação da CineBH, “Canções Engarrafadas 1-4” é parte da Mostra Temática “Cinema e Vigilância”. O projeto de Chloé Galibert Lainé e Kevin B. Lee, é um documentário-processo-mesa-de-computador, que expõe parte dos diálogos entre os dois cineastas que discutem questões de imagens geradas pelo Estado Islâmico em suas mídias, além de debater como a imprensa veicula determinadas notícias sobre o grupo.
Por mais que algumas provocações feitas sejam particularmente interessantes, em especial quando pensam no longa-metragem realizado pelo grupo, parte das discussões aqui são um tanto divagantes da realidade. Trata-se de um processo com muitas digressões e poucos diagnósticos políticos, onde interessa mais a imagem em si, um certo rigor de análise na “forma” (compreendida como conteúdo) e uma série de perguntas que poderiam ser dadas com um pouco de aprofundamento que aproximasse a realidade e tangenciasse a estética. Talvez o maior problema de “Canções Engarrafadas 1-4” seja encerrar parte dessa conversa nesse modelo que procura uma certa pureza formal, como mera propaganda, chegando a debater algo que foi veiculado na mídia: uma comparação direta com os filmes de Riefenstahl. Em seguida colocam-se propagandas comunistas no mesmo saco e a coisa vira um academicismo categórico estruturalista. É uma questão clássica das universidades brasileiras, inclusive, pensar a partir da forma e rotular suas percepções com pouca responsabilidade.
De toda forma, acaba sendo um objeto de estudo com muitas camadas diletantes, que acrescenta muito pouco na percepção das “produções” do Estado Islâmico, que vale lembrar possuiu investimento de grandes países capitalistas centrais e utiliza-se de dispositivos estéticos que Hollywood firmou há décadas. Entre Michael Bay, Peter Berg e o que é exposto no longa citado, as diferenças são meramente orçamentárias, pois formalmente (como os realizadores procuram debater), as diferenças são mínimas. E quanto mais “Cações Engarrafadas 1-4” avança, mais fica claro que seu objeto de análise possui raízes nebulosas para cada um. Existe uma objetificação explícita, que é incapaz de assumir uma deturpação dos contextos de cada imagem. É curioso ver uma francesa e um norte-americano procurando entender as produções do Estado Islâmico, por motivos óbvios. Mas se por um lado, existe uma investida de retirada de contextos para o desenvolvimentos de pensamentos filosóficos da imagem, algo no mínimo questionável, alguns emails trocados (cada uma das passagens enumeradas revela uma conversa virtual entre os cineastas) são capazes de provocar algumas discussões mais relevantes. Como a própria fabricação de determinados “registros” e a própria estrutura de suas exposições. Contudo, parte dos recursos se enveredam pela “dissecação” da forma, quando o próprio contexto político dessas gravações já explicitava a manipulação.
Quando Lee revela ao acelerar a imagem, uma incompatibilidade com sua reprodução em velocidade normal (com objetos desaparecendo), passam a debater a veracidade do que antes consideravam “fatos”. Bom, a maior guerra midiática do início do século, ou chamemos de terrorismo, foi financiada por alguém não? Quais os países envolvidos no conflito? As respostas são claras e a falta de informações aqui, esconde muitas informações questionadas ao longo da projeção. Seja por qual motivo isso aconteça, a experiência de “Canções Engarrafadas 1-4” parece estar sempre presa aos ciclos de divagação intelectual, que não são capazes de criar um diagnóstico ou levar o problema para um campo que não seja meramente estético.
Nessa refrega cultural, a cineasta, Galibert, até dá uma breve resposta de parte de seu interesse em um jovem que aparece nas imagens que passa a ter contato: ele fala francês. Ou seja, no meio dessas construções discursivas sobre o poder das imagens e seus formatos, há um interesse frágil que movimenta a coisa toda, que não surpreende em parte das análises rasteiras que apenas querem desnudar a “forma”, partindo de uma certa secção com o conteúdo, algo que Lee minimiza, mas não sana um proto-fetiche no espetaculoso, que será descrito por alguns da seguinte maneira “a imagem como…”, o velho discurso da decadência. O “cinema de desktop” tá caminhando como planejado.