Cafi
O olhar de Recife
Por Vitor Velloso
Durante o Festival do Rio 2021
Um retrato sobre a obra do fotógrafo de Recife, “Cafi” que procurou registrar a cultura brasileira ao longo de sua carreira, o novo documentário de Lírio Ferreira e Natara Ney é uma espécie de ode à brasilidade da segunda metade do século XX. O filme não se prende às capas de disco que entraram para a história, mas se debruça sobre uma trajetória que se confunde com a produção artística nacional, reunindo uma série de encontros e depoimentos de artistas que trabalharam com Cafi. De Macalé à Alceu Valença, a montagem transita entre esses reencontros, mostrando a força de suas fotografias e diversas histórias dos bastidores.
Como o eixo central da obra é o fotógrafo e sua contribuição para a arte brasileira, não há um excesso de material de arquivo que vai se amontoando ao longo da projeção, pelo contrário, “Cafi” é econômico nesse aspecto, utilizando-se de seus próprios registros durante a maior parte do tempo. É possível notar uma certa tendência pela conceituação do que está diante da objetiva, como os trechos em que Cafi aproxima algo do rosto e posa para a câmera. Não funciona bem na maior parte das vezes e soa como um preenchimento dos recortes propostos por Lírio e Natara. Por vezes, acompanhar nosso protagonista entre um cigarro e outro, fotografando paisagens, pessoas e futuras memórias, é mais direto que essa tentativa do conceito. Quanto mais próximos estamos dos espaços ali enquadrados, mais podemos nos conectar com a cultura brasileira de maneira totalizante. Não por acaso, o documentário da Jura Capela em exibição no Festival do Rio dialoga diretamente aqui, mostrando como o mangue é fundamental para compreender a cidade e a sociedade de Recife. E é possível ver referências ao Manguebeat e Chico Science espalhadas pelo rio que carrega tantas memórias.
Por outro lado, quanto mais nos isolamos nos encontros, mais o projeto consegue mostrar a grandiosidade da trajetória de Cafi. Assim, o documentário sempre retorna aos depoimentos e não perde um dinamismo inerente à sua proposta, onde o trato é quase informal, de uma conversa entre amigos que relembram suas histórias. Quanto mais “Cafi” se mantém como um registro desses encontros, mais podemos desfrutar sem atravessamentos que não acrescentam à experiência. Por mais que o espectador pudesse procurar um tom biográfico ao longo da exposição das fotografias e das capas de disco, escutar como tais registros foram capturados é um dos belos momentos que os fãs terão. Desde sua descrição de como tirou a famosa foto que estampa “Clube da Esquina” até suas aventuras musicais que Macalé faz questão de narrar, nosso protagonista parece sempre à vontade diante de seus amigos.
Porém, mesmo que funcione entre esses recortes, a sensação é que não há muito além do que é exposto nas conversas, servindo como uma boa introdução mas vacilando em desenvolver as próprias ideias de Cafi. E neste termo, o filme possui o imenso mérito de apresentar o fotógrafo para uma geração, assim como cumprir a lacuna de mais uma figura que merecia um documentário. O problema é que parece insuficiente diante de tudo que a projeção nos apresenta. Quando o filme provoca o espectador a compreender os momentos históricos como reflexos de Recife na obra, como uma grande reflexão do que o mangue conseguiu levar para o Brasil, é quando atinge uma grande importância, mas no íntimo, funciona melhor. No todo, “Cafi” não consegue se organizar para ser sólido em tempo integral, mas não é frágil a ponto de ser frustrante para quem conhece a trajetória. Será um grande filme para introduzir à fotografia do protagonista e um bom diálogo para inúmeras obras de como a cultura de Recife conseguiu uma projeção nacional de suma importância.