Brotherhood
Paternidade e irmandade
Por Vitor Velloso
Durante o Festival de Locarno 2021
“Brotherhood” de Francesco Montagner é um filme que trabalha a necessidade do amadurecimento precoce e os desafios da vida. Uma obra que desloca seus personagens e reflete sobre a masculinidade a partir de uma família que vive à sombra de seu pai, Ibrahim, que é sentenciado a dois anos de prisão após ser acusado de terrorismo. Os três irmãos, Jabir, Usama e Useir devem lidar com a vida sem a presença do pai.
Aqui, a figura de Ibrahim não está presente, mas o rigor de sua criação permeia cada um dos irmãos, que sentem o peso do julgamento por vir e da cobrança. A tradição é uma carga que devem aprender a conviver, com a permissividade estritamente limitada, a auto-descoberta, amadurecimento e cuidado mútuo é um desafio mais complexo que parece. E o filme incorpora conscientemente esses debates na própria forma, conseguindo uma divisão de tempo para cada um, seccionando suas individualidades e espaços para ocorrências distintas. O cotidiano é uma grande lista de afazeres, onde tudo remete aos mandamentos do pai e os poucos momentos de liberdade, retornam de maneira acachapante contra os personagens. É uma repressão funcional que procura manter as tradições, mas acaba afetando os personagens de maneira direta.
Por essa razão, a experiência de “Brotherhood” é carregada por um sentimento fantasmagórico, mesmo no lirismo das belas paisagens a objetiva está à espreita, os (auto)julgamentos são constantes e o dinamismo da montagem faz com que não existam grandes momentos de paz. A linguagem cria uma cadência purgatória desse descobrimento pessoal, como uma chaga que é cobrada na troca de “funções” entre os irmãos. O significado de “pai” e “irmão” é colocado em cheque, como uma dissolução institucional programática. O encontro junto ao fogo pelas noites se tornam o momento prosaico que o espectador anseia, onde os desejos são ditos e as conversas não estão carregadas de suas funções diárias, há espaço para risadas e histórias de terceiros.
Mas essa procura por uma identidade, sempre esbarra na problemática dessas relações a partir dos pedidos do pai antes de ir para a cadeia e do que esperar após dois longos anos. Um filme que sabe o peso dos fantasmas familiares e da estrita ligação política do suposto crime cometido pelo pai. Existe aqui uma carga fronteiriça que acomete diversas sequências, a partir da visão exterior dos acontecimentos, a própria ideologia dos irmãos é colocada à prova em debates constantes, mais um vez cobrando um posicionamento dos mesmos. O impressionante é ver onde começa o documentário e onde termina a ficção, já que os “atores” de fato passam por esse processo e toda a história é real. “Brotherhood” levou quatro anos para ser produzido e rendeu um material que não é facilmente categorizado ou comentado, é o cinema como a expressão dialética das formas. Essa transa da representação não transparece nenhum tipo de fragilidade para o espectador, pelo contrário, estrutura um projeto que ficcionaliza a realidade e registra a ficção na mesma medida.
Sabendo utilizar as belas paisagens sem fetichizar os espaços, o filme se desenvolve em torno de pessoas reais e respeita os limites da produção. Em nenhum momento invadimos as intimidades desses irmãos que tanto sofrem com a pressão externa e tradicional. Os pastores, irmãos, pais e filhos, permanecem diante da câmera sem exitar a interpretação, mas não deixam de cumprir suas funções com a energia que lhes foi cobrada, pelo pai.
Por essas razões, “Brotherhood” venceu o Pardo d’oro Concorso Cineasti del presente, em uma competição marcada por obras ambiciosas e potentes em sua maioria. Um prêmio que não é apenas merecido pelo esforço da produção em si, mas por uma consciência formal que se destaca dos demais filmes apresentados. Os limites do documentário e da ficção já se tornaram dogmas categóricos há décadas e a cada ano que passa, as barreiras se tornam cada vez mais acadêmicas.